quarta-feira, 30 de outubro de 2013

FARMANGUINHOS: UMA EMPRESA PÚBLICA A SERVIÇO DO BRASIL


Recentemente, em 2004, em episódio singular, conjugaram-se esforços dos Poderes Executivo e Legislativo da União para adquirir uma nova fábrica de medicamentos a ser operada por Farmanguinhos, unidade de produção da Fundação Oswaldo Cruz.

Farmanguinhos, o Instituto de Tecnologia em Fármacos da Fiocruz, não cabia mais no “site” do campus de Manguinhos. Ali o constrangiam questões ambientais, espaço físico e gerencial.


De fato, se o avanço tecnológico depende da capacidade criativa, dos insumos, do conhecimento científico, as questões da produção moderna, extremamente reguladas, ainda que deles dependam, têm seu cotidiano baseado na disciplina produtiva, na organização documental; têm lógica diferente do ensino e da pesquisa.


As atividades de produção de medicamentos no que hoje é a Fiocruz remontam, formalmente, a 1º de maio de 1918. Naquela data, Decreto de no. 13.000, criava o “Serviço de Produção de Medicamentos Officiaes” no então Instituto Oswaldo Cruz. Seu primeiro objetivo era a produção do quinino para o combate à malária e logo outras endemias rurais se constituíam em desafios. O Instituto Oswaldo Cruz era a designação recente do Instituto Soroterápico Federal, criado em 25 de maio de 1900, para controlar a peste e demais enfermidades que grassavam nos portos do Rio de Janeiro e do Brasil, através da produção de soros e vacinas – hoje competência de Biomanguinhos na Fiocruz.
Assim, Farmanguinhos e Biomanguinhos têm suas origens na necessidade de apoiar a economia agrário-exportadora da época através do desenvolvimento técnico-científico para a produção de soros, vacinas e medicamentos, aliando vantagens sanitárias, um bem em si para as pessoas, com as vantagens econômicas, ou seja, produtivas, um bem para o país.

Outros laboratórios oficiais foram criados naquela época, Instituto Vital Brazil, Instituto Butantã, e alguns saíram da matriz do IOC, como o Ezequiel Dias de Minas e o Evandro Chagas do Pará. Antes do Serviço de Produção de Medicamentos do Instituto Oswaldo Cruz, os laboratórios do Exército e da Marinha já manipulavam e dispensavam medicamentos para as suas corporações, sendo o primeiro deles fundado em 1808, comemorando, no mesmo mês de maio de 2008, 200 anos de existência.

A transição para uma economia urbano-industrial a partir de 1930 desaguaria na década de 60 na unificação dos Institutos de Pensões e Aposentadorias - o INPS - e, conseqüentemente da assistência médica no âmbito da Previdência. Os laboratórios oficiais se ocupavam ainda da produção para as mesmas doenças do início do século, predominantemente infecciosas e parasitárias e carenciais, como avitaminoses, anemias, que hoje se constituem, em sua maioria, no que alguns chamam de doenças “tropicais”, outros de doenças “negligenciadas”.


Novos laboratórios de produção seriam criados nos governos estaduais para apoio a ações universalizadas à saúde nesses estados, como o Instituto de Pesquisas Biológicas e depois o LAFERGS no Rio Grande do Sul, o BahiaFarma, A Fundação do Remédio Popular em São Paulo, o Instituto Químico do Estado de Goiás, o Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco.


Na década de 70 é criada a CEME e esses laboratórios são cooptados, através de financiamento federal, para produzir medicamentos para a assistência médica da Previdência Social. Voltam-se para o atendimento à massa trabalhadora e seus portfólios passam a incluir analgésicos, anestésicos, antibióticos, antiasmáticos, etc. 
Essa atividade ampliada pela criação do SUS teria um ponto de inflexão com o fechamento da CEME, descipagem dos medicamentos e aprovação da Lei da Propriedade Industrial brasileira, em 1996.

Farmanguinhos, destacadamente encontra seu caminho dando suporte ao Programa de combate à AIDS. Esse caminho necessariamente passaria pela inovação tecnológica para o desenvolvimento de produtos e processos industriais. Lamentavelmente, apesar de esforços de seus dirigentes, a indústria farmoquímica nacional privada não poderia acompanhar seu crescimento.


De fato, as políticas neoliberais da década de 90 interromperam iniciativas importantes visando consolidar a base farmoquímica nacional. A introdução dos genéricos também não criou incentivos para que os princípios ativos fossem desenvolvidos no Brasil; viramos importadores de medicamentos acabados e de matéria prima para a indústria farmacêutica. 


O balanço de pagamentos da área farmacêutica que apresentava um déficit de cerca de 500 milhões de dólares no início daquela década em 2002 já era de 2,5 bilhões. E o pior, sem aumento do número de unidades vendidas. Hoje o déficit é de mais de 4 bilhões de dólares anuais.

Há pouco menos de 3 anos, graças à decisão do Governo Lula de priorizar a Indústria Farmacêutica em suas políticas industriais, além de criar o Programa da Farmácia Popular, Farmanguinhos toma a iniciativa inovadora de defender a qualidade da produção nacional e a economia do país, através da simples medida de adquirir princípios ativos com efetiva isonomia (as regras, inclusive tributárias só beneficiavam a importação).

Paralelamente, busca parceiros nacionais e tecnologias fora do Brasil, através de acordos em que usa o poder de compra do estado como estímulo à inovação. Com a indicação do Ministro 

Temporão, essas iniciativas passam a embasar sua competente ação para as políticas de apoio ao chamado complexo industrial da saúde. E essas vêem ao encontro do PAC, instrumento da política desenvolvimentista, com prioridade social do segundo Governo Lula, coordenado pela Ministra Dilma Rousseff.

Nesse ano de 2008, lançamos vários produtos novos, entre eles o efavirenz e medicamentos infantis para a AIDS; uma patente para a didanosina entérica foi depositada em vários países do mundo em associação com empresa brasileira e com pesquisadores da Universidade de Barcelona. Nossa produção irá agora mais longe, Farmanguinhos se prepara para transferir a tecnologia de produção de antirretrovirais para três países africanos, Moçambique, Angola e Nigéria, como dever de solidariedade e dando suporte para a política internacional do Brasil.

Mas é digno de registro, também, que lançamos uma formulação para malária (a sigla é ASMQ) inovadora em todo o mundo. Já assinamos contrato no qual repassamos a tecnologia para atender à população asiática com empresa indiana. Com empresa Argentina e universidades brasileiras, firmaremos acordo para produção desde a etapa agrícola de um de seus princípios ativos, que apresenta escassez mundial face à sua importância para o tratamento da malária. Para o outro princípio ativo, de baixo uso e produção no mundo, estamos em cooperação com farmoquímica nacional buscando baratear seu custo de produção e diminuir os riscos das rotas de síntese conhecidas.

Farmanguinhos, assim, comemora os 90 anos da produção pública na Fiocruz, tendo alargado o alcance de suas políticas, mas fiel às suas raízes, começamos combatendo a malária, e mantendo nossos compromissos com os trabalhadores do campo, das matas e das cidades do Brasil.

Não se surpreenda ninguém, no entanto, ao saber que esse papel estratégico, em relação às políticas sanitárias, industriais, de ciência e tecnologia, de relações internacionais, enfim, de desenvolvimento econômico e social a um só tempo, se faça com enorme esforço de dirigentes e trabalhadores, até porque há dois anos vivemos em dificuldades financeiras. E mais do que isso, 80% dos trabalhadores têm vínculo considerado precário (são terceirizados) e não temos nem capital de giro e nem mesmo conta própria para reter recursos de vendas a terceiros (outros entes do SUS, que não o Ministério da Saúde), tudo isso produto da inadequação de nossa estrutura jurídica e/ou da ausência de um marco regulatório adequado para a produção pública de medicamentos. 
E é isso que reivindicamos: condições de trabalhar mais e melhor para a saúde dos brasileiros e da economia do Brasil ao comemorar 90 anos de vida produtiva.
Eduardo de Azeredo Costa.


ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL INSTITUCIONAL FARMANGUINHOS COM FOCO EM DEZEMBRO DE 2008.