quarta-feira, 27 de novembro de 2013

MEDICINA PÚBLICA E DE MERCADO

(Homenagem a Carlos Gentille de Melo)

Sinopse

As relações da medicina pública com a de mercado sempre foram simbióticas no Brasil. Separar as duas, já que em princípio não são excludentes, envolve antes de tudo um esforço organizacional diferenciado pois seguem lógicas e bases éticas distintas. Uma rápida revisão histórica e visão crítica das possibilidades de avanços do SUS ainda nos desafiam a construir um serviço nacional de saúde, inspirados no NHS inglês.


Primórdios


Gentille - 1963
Carlos Gentille de Melo, que falava dos vícios da “dupla militância”, mostrou também na década de 70 que havia forte correlação entre existência de agências bancárias e presença de médicos nas cidades brasileiras. Ou seja, havia médicos onde a economia comportava a existência de bancos. E o mapa da desigualdade permanece: não surpreende existirem comunidades desassistidas no Brasil. O problema da falta de médicos resulta, assim, da má distribuição dos mesmos, ou do (bom?) efeito do mercado sobre a localização dos médicos e, de resto, acrescentamos, de tudo.

Estado cria gratificação para o pessoal da
saúde periodizando o trabalho
em áreas carentes
Quando secretário de saúde do Rio de Janeiro, ainda antes do SUS, tentamos estimular a re-distribuição dos médicos e outros servidores da saúde do estado através de uma gratificação, aprovada pela Assembléia Legislativa, em 1984, com o nome de Lotação Prioritária, cujo valor dependia da densidade de médicos por habitante. Aplicava-se apenas aos servidores da saúde estaduais pois não tínhamos jurisdição sobre os federais ou municipais. Ingenuamente esperávamos que fosse bem recebida. Não o foi pelas entidades médicas, afinal eles tinham legalmente outros empregos em locais diversos. Mas agradou às auxiliares de enfermagem, por exemplo, porque estariam também mais perto de casa, ganhando mais e gastando menos transporte. Claro que tudo dentro do quadro de lotação da unidade considerado ideal.

Darcy Ribeiro e Cibilis Viana -
Conselho Estadual de Saúde e Higiene
Não seria surpreendente que propugnássemos por um serviço unificado de saúde, sob comando dos estados, democrático e participativo, daí por que, na mesma época, criamos o Conselho Estadual de Saúde e Higiene, no qual tinham assento entidades, associações e sindicatos.

Em 1988, teríamos uma nova constituição, que, diferente de expectativas de criação de um serviço nacional de saúde, criaria o SUS (Sistema Único de Saúde), genericamente inspirado em alguns países com “sistemas” universais de saúde, o que ganhou ampla adesão. O texto básico foi oriundo de uma Comissão Nacional da Reforma Sanitária (CNRS), precedida em 1986 pela 8a. Conferência Nacional de Saúde. A proposta da CNRS pouco foi modificada em sua essência no decorrer dos trabalhos constituintes, sendo aprovada, com unanimidade, gerando esperanças e defesa intransigente de seus criadores e servidores públicos espalhados pelo país.

Visão crítica

25 anos após, permanecem em sua defesa, ou de seus princípios, os que se engajaram na reforma da saúde brasileira sem discernir que, e por quê, de fato, perdemos a batalha da saúde pública que sonhamos. Na visão de muitos, no entanto, o programa Mais Médicos, de resto, necessário e digno de apoio dentro do quadro atual, denuncia a falha sistêmica do SUS. Esperamos que alavanque  outras possibilidades relacionadas à deficiente atenção primária no país, em particular relacionadas aos cursos de medicina.

Ora, é insuficiente explicar nossa derrota pela “Guerra do Capital” contra o SUS. Por dados do PNUD, 2007, o Brasil é o país com a 5a. maior concentração de renda da América Latina e também o que tem o 5o. pior nível de saúde. Ou seja, de lá para cá, houve melhorias inegáveis, mas o SUS não foi capaz de distintamente provocar uma situação de vantagem sanitária que não fosse o próprio reflexo da situação sócio-econômica do país; seus avanços econômicos e sociais melhoraram a saúde, como também a de outros países latino-americanos. Nada de novo. O novo seria romper com essa relação.

Algumas assertivas em tributo ao SUS, ouvidas comumente, como a existência de experiências bem sucedidas e sobre índices de satisfação de usuários, atestam o oposto. Todos os serviços têm que funcionar bem e o mais homogeneamente possível. Ademais, quando mudam prefeitos costuma haver reversão nesses locais. Quando 70% dos usuários se dizem satisfeitos, podemos pensar que 30% de insatisfeitos em saúde é muito ruim. Para qualquer artigo de consumo seria um desastre.

O tamanho e a população do Brasil não são dificuldades reais para uma estrutura de saúde. Ao contrário, a economia de escala diminui alguns de seus custos unitários. Mas a organização precisa ser diferente.

Referência

Ninguém desconhece que a lógica capitalista é concentracionista e que precisamos de regulação e intervenção do estado para salvar o próprio capitalismo de sua auto-destruição, com reflexos danosos na população como um todo. Elementar explicar que as crises advém, obrigando as transferências de capital, levando a guerras ou deixando rastros perversos.

Após a segunda guerra mundial, os países europeus, em particular a Inglaterra, resolveram modernizar o capitalismo, para benefício de seus trabalhadores e cidadãos como um todo e do próprio capital. Ou seja, começaram a  montar o que se chamou de estado do bem estar social. Ao lado da previdência social, foi concebido um “plano nacional de saúde” gerido pelo estado, público, universal e gratuito no momento da utilização dos serviços, que era a própria negação interna das práticas dos setores econômicos de ponta. Vale dizer que essa decisão é tomada num momento que a infra-estrutura dos país, abalada pela guerra, tinha também de ser reconstruída materialmente.  E sobravam necessidades na saúde da população.

Tal “Plano” reconhecia, sem ser necessário constar de uma lei, que a saúde era direito e dever de todos (todos contribuiriam com impostos). Para garantir a aplicação dessas idéias prevalentes na sociedade, precisava sim de uma lei. A lei criaria o NHS (National Health Service). Na imprensa, entre os defensores do SUS, e no cotidiano, (eu mesmo erro involuntariamente às vezes,) chamamos de sistema de saúde inglês. Não o é; ainda que se possa dar esse apelido que agrada a corrente gerencial neoliberal – na Inglaterra foi criado um Serviço.

Talvez caiba um parêntesis sobre o que é um serviço nacional e rapidamente traduzi-lo a nossas leis anteriores a 1988. Os serviços eram prestados diretamente pelo estado. E, no pacto federativo, conveniada sua prestação com estados e eventualmente com municípios.  A educação pública brasileira era prestada, predominantemente de forma hierarquizada: aos municípios cabia a educação básica, o secundário e escolas técnicas eram estaduais e as universidades federais.

Passeata dos 100 mil.
Foto Evandro Teixeira, 1968
O decreto-lei 200 de 1967 e o decreto-lei 900 de 1969 seguindo a tendência de então, modernizaram, como querem alguns, a administração pública: o governo federal não seria prestador direto de serviços. Quem o faria, no seu nível, seriam as autarquias e fundações públicas. Nessa linha, o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) viraria a Fundação SESP. Unificada a previdência social, as autarquias, INSS e INAMPS, viriam a ser criadas.  Houve forte reação, inclusive na passeata dos 100 mil em 68, contra as universidades virarem fundações. De outro lado os sistemas eram os que atravessavam os vários ministérios coordenados pelo ministérios chaves, como por exemplo o sistema nacional de recursos humanos.

Expectativas frustradas

Talvez por isso, naquela época, os participantes da CNRS não tenham visto instrumentos para unificar todos os serviços públicos, com estruturas diversas e  espalhados em vários ministérios e níveis de governo, numa designação abrangente como a de um serviço nacional de saúde a ser disposto em lei ordinária, daí optarem por um sistema vertical ao invés de transversal. 

Debate na pré-Conferência
Nacional de Saúde no Rio de Janeiro, 1985
Alguns, como eu, pensaram que talvez se o fizesse depois na regulamentação, mas aí a batalha já tinha vencedor: pragmatismo, imediatismo, eleitoralismo, interesses comerciais, prevaleceram. A idéia que tínhamos era que se criaria um serviço nacional federado de saúde, com planejamento e regulação central e ações suplementares em busca da equidade, ou defesa do país, portos, fronteiras, etc. ou de extrema complexidade. Os executores plenos seriam os estados, com assistência técnica e financeira. Nesses poderiam ser constituídos os serviços estaduais autárquicos de saúde, democratizados com os controles sociais, inclusive das prefeituras abrangidas ou contidas; isso é, suas estruturas mínimas seriam em base populacional, podendo repartir ou confluir municípios para tamanhos próximos a 200 mil habitantes: os distritos sanitários.

Cabe dizer que um serviço nacional de saúde planeja com a vista na equidade e não no mercado; na necessidade sentida ou não, mais do que na demanda, ainda que nessa também. Ao ser municipalizado, fica inviabilizada na prática a distribuição equitativa de benefícios às pessoas. O pior mesmo é ficar atrelada diretamente à política eleitoral local bi-anual.

Ernani Braga 1983
Ernani Braga despertou meu interesse pela saúde pública: médico recém formado em Porto Alegre, vim ao Rio para ser contratado pela Fundação SESP. Meu destino seria o interior do Amazonas. Aquela fantástica instituição tinha todos os elementos que aprendi fundamentais para colocar um médico no interior com equipe e recursos mínimos, tempo integral, sem clínica particular. Ações eram quantitativamente e qualitativamente planejadas e supervisionadas, treinamento em serviço, integração com a comunidade local. O prefeito também aguardava consulta na sala de espera. Naquela época pensava que o serviço médico obrigatório em unidades como aquelas, o que acontecia na fronteiriça Letícia da Colômbia, devia ser implantado no Brasil.

Triste dizer que a Fundação SESP foi desativada pelo SUS, suas unidades transferidas para as Prefeituras.

O Brasil tenta emplacar o programa de saúde da família e não forma médicos generalistas, mas sim especialistas, que o mercado, inclusive o público, demanda. Ademais, parece ser esse um programa para os lugares pobres, mais remotos ou periféricos, mas não para a população como um todo, gerando distorções que comprometem o custo dos serviços, abuso de tecnologias caras e desnecessárias. Daí porque nos últimos dez anos nosso déficit anual no balanço de pagamentos em itens da saúde  passou de 3 para 12 bilhões de dólares. Atrás do “sistema universal, integral da saúde”, com esse modelo assistencial, o país recebe uma conta gorda.

Atenção básica e integral

Unidade Mista (sanitária e hospitalar)
da Fundação SESP em Benjamin Constant, 1967
A história do NHS pode ser chamada de heróica nas suas duas primeiras décadas e extremamente responsável e eficiente, levando ao reconhecimento de suas vantagens sobre os demais serviços europeus e sendo absorvida, no que cabia, por vários países do mundo. Em seus detalhes podemos ver como transformou uma indústria farmacêutica incipiente em muito poderosa com controle estatal de preços ao NHS e distribuição gratuita ou pequena co-participação dos usuários, para o que decisivamente possibilitou o estatuto do médico generalista. Lembremos que Itália, Portugal e Espanha fizeram suas reformas constitucionais na década de 70, incorporando, em particular, a questão da porta de entrada universal com o médico generalista na atenção básica.

Na Inglaterra, falta lembrar, os serviços privados de saúde precários foram fechados e alguns estatizados. No Brasil, já que a CNRS tinha representantes do setor privado prestador de serviços de saúde, foram preservados.

O regime de pagamento diferenciado a prestadores de saúde, como os médicos generalistas, na Inglaterra, é por captação, isso é, quantos pacientes os elegem como seu médico (podendo trocar se insatisfeitos) e não por atos médicos – consultas, procedimentos, etc. O pagamento por unidade de serviço oriundo de nossa medicina previdenciária subsistiu no Brasil pós-SUS.  Assim pode-se pagar um X pela retirada de uma amídala ou duas se for no mesmo ato, e se em dias diferentes pagará 2 X.

Planos de saúde

Mas não foi apenas a forma de pagamento ao setor privado do INAMPS que ainda se faz presente no cenário da saúde pós-SUS. As características dos planos de saúde também foram legadas pelo período autoritário. Ainda que aos planos individuais tenham sido estabelecidos parâmetros, muito pouco de então diferem os planos de grupo. As grandes empresas que contratavam serviços médicos descontavam o custo do mesmo de parte de sua contribuição previdenciária e hoje abatem do imposto de renda, mas não há controle efetivo sobre sua qualidade e, a um grave problema, ficam sujeitos os trabalhadores incluídos: a vulnerável confidencialidade de seus dados. E ainda mais grave, é o fato de empresas estatais, fundações públicas e mesma a administração direta propiciar planos de auto-gestão e privados comerciais paralelamente ao SUS. Por isso,  cerca de 25% dos brasileiros são beneficiários de planos de saúde privados (2009), sendo em boa parte financiados por recursos públicos. Simultaneamente  assalariados gastam com planos privados o que o SUS deveria cobrir.

A ampliação do mercado consumidor de planos de saúde também é um sintoma da falta da credibilidade do SUS como direito do cidadão (na Inglaterra não chegam a  5% os que têm planos privados). Quando ter um plano de saúde é visto como uma conquista, seja corporativa ou de consumo, e não como uma capitulação pragmática do usuário a seu direito de cidadania, tendo em vista a falta de pronta acessibilidade e precariedade do SUS, temos a prova de que  a "saúde como direito de todos e dever do estado" é de fato uma assertiva constitucional abstrata sem base social que a sustente.

Conclusões

Numa certa perspectiva, no Brasil, podemos dizer que não houve a reforma sanitária do pós-guerra europeu, mas uma reforma essencialmente administrativa com um componente participativo novo, representado por um “controle social”. A ingenuidade é que num país com os resíduos escravagistas e coloniais, onde justiça e soberania são retóricos, uma solução funcionalista – sistêmica, seja capaz de catapultar esses valores.

Como no sistema “único” não houve a unificação dos serviços de saúde existentes, sendo sua gestão ainda municipal, estadual, federal ou privada, restou impossível na prática o planejamento e a gestão para a equidade. (A equidade é a verdadeira ética republicana na saúde.) Em seus lugares, um emaranhado de planejamento integrado de níveis de governos e ongs tentando juntar as partes fragmentadas para implantar programas, com alto custo burocrático e midiático. Os esforços se sucederam para regionalizar e integrar serviços nesses anos, sem sucesso.  A poderosa mística do SUS, como toda mística, mitiga a dor, mas não dá solução para os choques de realidade. Por isso precisa ser repensado.

Impossível, também, plano de carreira com isonomia para todos os servidores da saúde e não só para médicos. Mas, se quase metade do orçamento brasileiro inicia o ano compromissado, como atender a todos? Privatizando, estimulando os planos privados de saúde?

Na mistura de medicina de mercado e desejo de uma medicina púbica salvam-se médicos que acreditam que são “filhos de Deus” – se todos querem levar a melhor, por que só médicos são sacerdotes?  E também todos os que, por domínio social (categoria , nível educacional ou informação) precisando de assistência individual, conseguem se mover usando o melhor dos serviços privados e públicos (alta complexidade, doenças raras).

Tanto quanto se sabe, os royalties do petróleo do pré-sal vão salvar a saúde da carência de recursos atual. Resta saber quem vai salvar a medicina pública dela mesma, ou seja, de suas ligações viscerais com a medicina de mercado, para não continuar tudo como está, mas com mais dinheiro público.

A receita é antiga: um serviço público nacional de saúde.

Em 12/11 revisado em 18/11/13.


* Eduardo Costa é médico-sanitarista.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

O PDT e os 10 anos de LULA e DILMA*

Deputada Juliana Brizola e
Eduardo de Azeredo Costa


Introdução - Período FHC 

O governo neo-liberal do PSDB-DEM revelou-se desastroso, de lesa pátria, conforme manifestações de nosso líder Leonel Brizola. O PDT chegou a ir às ruas para questionar a política de privatizações de FHC, lembrando que ele não havia dito na campanha eleitoral que faria isso. Coletamos assinaturas populares  pedindo o seu impeachment por essa razão.

De outro lado a política de estado mínimo – restringindo inclusive a realização de concursos públicos, exceto para grupos seletos na área de justiça, por exemplo, e a pressão sobre os servidores públicos, sem aumento e com estímulos a se aposentarem, demoliu a capacidade de dar resposta a problemas do país na área de educação e saúde.

Restrição ao crédito e taxas de juros que chegaram a 45%, desestimularam o investimento produtivo. Abertura comercial, com lei de patentes que aceitou o pipeline, e declaração explícita de que o país não devia ter política industrial, derrotou as possibilidades de retomada industrial mais tarde. Reajustes do salário mínimo abaixo da inflação, criação do fator previdenciário, mudança no regime de aposentadorias do setor público, foram todas medidas recessivas e contra a economia popular. O país não cresceu e deixou um saldo de 12 milhões de desempregados. E ainda legou um esquema de financiamento escuso de campanhas eleitorais e cooptação de parlamentares para que pudesse ser re-elegível. Um desastre de proporções catastróficas.

O PDT coerentemente se manteve na oposição durante os 8 anos.

Período Lula

Depois de ter participado numa chapa de oposição em 1998 (Lula para presidente e Brizola para vice), em 2002, por considerar que a Carta ao Povo Brasileiro do PT não satisfazia as propostas do PDT e considerar pequenas as possibilidades de vitória de Lula – era sua quarta tentativa - não apoiou sua candidatura inicialmente, mas sim a de Ciro Gomes que tinha uma proposta mais firme em relação às questões econômicas.

Quando esta candidatura começou a perder o apoio popular e passa a crescer a de Lula, Brizola, depois de tentar convencer Ciro a desistir, resolve desembarcar e apoiar a candidatura do PT, crente que poderíamos ajudar a definir as eleições no primeiro turno.

A preocupação com a manipulação da mídia e eventual fraude eletrônica não se confirmou: o desastre FHC tirou as possibilidades eleitorais de Serra no segundo turno contra Lula, este já apoiado formalmente pelo PDT.

Essa introdução é importante, porque depois de tentar influenciar os rumos do governo do PT, o PDT resolve mais uma vez se afastar. O que levou a essa posição? A ida imediata de Lula a Bush depois de eleito e a volta com a definição de Henrique Meirelles para o Banco Central e logo a manutenção inicial de todas as políticas macroeconômicas de tipo neoliberal, simbolizada pelo “sucesso” de Palocci.

De outro lado a falta de um efetivo Conselho Político com Presidentes dos partidos da coligação e por último a decisão de nomear ministros do partido sem que esse fosse consultado precipitaram a decisão. Mas, além disso, o governo pretendeu, com uma Reforma da Previdência, arrochar mais os critérios e valores da aposentadoria, em cuja defesa o PDT se articulou com outras forças. O PDT sai do governo antes da morte de Brizola, em junho de 2004, e do escândalo do mensalão, absolutamente limpo do episódio.

Todavia, a ida de Dilma para a Casa Civil começou a criar no PDT uma visão positiva em relação ao Governo, pois abriu-se uma frente desenvolvimentista. Alem disso, cresce dentro do PT o respeito ao legado de Vargas, quando o poder da mídia e dos conservadores ameaça a governabilidade - tudo contribuindo para novas possibilidades políticas de apoio ao Governo Lula.

De fato, na eleição de 2006, apos o primeiro turno, o PDT passou a apoiar e participar de novo da coligação com o PT, assumindo o Ministério do Trabalho e Emprego.

Se em 2006 a política social era a maior determinante do apoio popular ao Governo Lula, com destaque para o bolsa-família, o reconhecimento do segundo governo Lula se dá por uma política mais consistente: redução de taxas de juros (de resto, acontecendo em todo o mundo) e liberalização do crédito, que serviram de estímulo ao consumo, alem da melhoria significativa na massa salarial pelo aumento do emprego e elevação do valor real do poder aquisitivo do salário mínimo. Também no setor público há uma reversão sendo realizados concursos públicos. E é ampliado o PAC da infra-estrutura conduzido por Dilma. Por fim, a descoberta do pré-sal e a mudança nas regras visando assegurar maior poder à Petrobrás, vieram ao encontro das propostas históricas do trabalhismo brasileiro.

Mas, a criação de 14 milhões de emprego nos oito anos do Governo Lula-Dilma de 2003-2010, por si só tinha de levar o apoio de um partido trabalhista. Mas havia mais: o estímulo à formalização do emprego com elevação para mais de 50% de trabalhadores com carteira assinada.

Período Dilma

O apoio à candidatura de Dilma, já no primeiro turno em 2010, é natural, pois, considerado o balanço positivo para os trabalhadores e para a economia com a mudança de rumos em 2005-6.

O Governo Dilma deu continuidade às políticas do governo anterior, ampliando as conquistas econômicas e sociais dos trabalhadores.

Todavia, o PDT sempre considerou que é necessária uma ruptura maior com grandes entraves ao desenvolvimento que, ainda que estivessem na pauta, avançaram bem menos do que esperávamos. A modernização que defendemos é o trabalho saudável, a jornada de 40 horas semanais, o fim do fator previdenciário.

De qualquer modo a Coligação governamental provou que aumentar salários não aumenta o desemprego, não diminui a competitividade.

Balanço da contribuição do PDT para os Governos Lula-Dilma.

Na primeira fase, contribuímos com o que chamamos de apoio crítico. Quem conhecia o PDT sabia que a crítica não levaria jamais o PDT para o outro lado. Ajudamos a mudar o rumo do Governo em 2005 – não temos dúvida quanto a isso - do lado de fora. Brizola pessoalmente foi às ruas contra a ingerência americana no mundo, por exemplo.  

A pressão por um projeto educacional de base esteve sempre presente. Por isso também o senador Cristovão deixaria o Governo no mandato de Lula.

No Ministério do Trabalho e Emprego a política voltada para a juventude tem uma forte contribuição do PDT, bem como a melhoria do sistema de informação sobre o emprego. Avançamos também na concepção do campo de atuação voltado para a saúde e segurança no trabalho.

A atividade do MTE no caminho da erradicação do trabalho infantil e do trabalho análogo ao escravo foram marcas do processo civilizatório nas relações de trabalho no Brasil.

A presença do PDT no Conselho do BNDES e a gestão dos recursos do FAT e do seguro desemprego não obstaculizou a implementação das diretrizes do Governo, ao contrário, ainda que numa visão histórica do trabalhismo pudéssemos ter avançado mais.

Foi ainda, na gestão pedetista do MTE, que se amplia o diálogo social e a efetivação do tripartismo originário da OIT.

No campo parlamentar específico a atuação de deputado Brizola Neto e seu ”blog” – Tijolaço – foram instrumentos do projeto de desenvolvimento com soberania nacional.

Mas o mais importante é que nos transformamos em um obstáculo para as propostas de revisão da CLT lesiva aos direitos estatuídos dos trabalhadores, que tinha simpatia de amplos setores do PT, aliás, defendido até por Lula.

Pauta do Governo do Coalizão para os próximos 10 anos

O PDT considera que a educação de qualidade para todos é um desejo das pessoas e das instituições econômicas e sociais. Ainda que tenhamos avançado nesse sentido nos últimos dez anos, está longe de satisfazer a esses desejos. Isso demonstram a presença do analfabetismo estrito e funcional, número de anos na escola e qualidade do ensino no Brasil.
Mas a vida urbana e suburbana das grandes cidades brasileiras exige mais atenção.  A questão dos transportes de massa e a da habitação são cruciais para o desenvolvimento econômico e social do Brasil.
Em termos de continuidade da proposta desenvolvimentista a questão seria explicitar e aperfeiçoar o PAC da infraestrutura com compromisso ambiental, alem disso, reunir várias ações para formular:
um PAC (TO) social: “Pleno emprego saudável para todos”, e
um PAC (TO) de desenvolvimento industrial soberano.

Não se pode deixar de mencionar um aspecto fundamental para o sucesso desses programas: participação popular. Teremos enfrentamentos com setores poderosos, inclusive transnacionais que através da mídia, de parlamentares e governantes, e de seus métodos de coerção política internacional, exigirão uma opinião pública com o sentimento de paternidade de um projeto nacional que absorva esses PAC (tos), assumindo sua defesa. Não será conquistado burocraticamente e através de negociações parciais de gabinete, muito menos por ganhos de eficiência.

Não é possível falar de desafios ao governo sem mencionar os marcos jurídicos/burocráticos que tendem a esvaziar as possibilidades de avanços. Não há gestor público que se anime a inovar: os riscos pessoais são imensos, sem dizer na máquina que quer repetir o que sempre fez e através das denúncias estagna a administração. Os controles impedem o funcionamento.

Nesse sentido urge um projeto cultural bem diverso daquele que se instaura apenas na organização do setor cultural e classe artística em  função de suas demandas, com submissão de projetos. Além dos editais temáticos, há que criar estímulos para produção em massa de qualidade de instrumentos de reflexão sobre o papel de cada um na história brasileira, nos destinos do país de seus filhos.

Mas temos que ir mais longe, sempre há uma tendência de quem está no governo a exagerar seus acertos. Por mais que o Brasil tenha avançado econômica e socialmente há uma realidade a se debruçar bastante desconfortável: Assim como somos o 10o país do mundo em termos de concentração de renda, temos a 5a pior posição na América Latina em relação aos indicadores de saúde.

Ora, levar adiante um projeto que não rompe nos setores sociais com a mercantilização, que não cria barreiras para a importação desenfreada e financia as grandes empresas estrangeiras não melhorará nossa posição no ranking relacionado à qualquer aspecto do desenvolvimento social.

Não é possível avançar nessa agenda sem um definição clara sobre o papel de uma mídia pública de qualidade e honesta. Precisamos fazer da EBC um órgão autônomo, bem financiado pelo governo.

Uma visão para o avanço no desenvolvimento industrial soberano

Na infra-estrutura, o governo tem concentrado esforços na área energética, mas em nossas deficiências no transporte de carga, na armazenagem, na logística de modo geral precisam ser acelerados.

Há também ainda questões do desenvolvimento que devem ser tratadas de modo integrado com o setor dito social. Para que o trabalho seja saudável – afinal estima-se que 55 bilhões são as despesas diretas anuais do governo com a acidentalidade no trabalho – é necessário estimular a obtenção de competitividade através da inovação de processos e medidas voltados para a segurança no trabalho, por exemplo.

Seria o que chamamos de desenvolvimento econômico e social a um só tempo. E não cuidar de ambos paralelamente no mesmo tempo, o que, de qualquer modo, no caso brasileiro, já foi um progresso.

Com nenhuma barreira tarifária, a indústria brasileira tem tido de recorrer às solicitações de desoneração fiscal para competir. Essa batalha, especialmente através do sistema patentário se mostra ineficaz em vários setores e os acordos de transferência tecnológica são instrumentos também de reserva de mercado.

É fundamental rever o conjunto, em especial no setor de equipamentos e medicamentos.

Reforma Política

O PDT tem se distinguido na luta pela adoção da apuração eletrônica verdadeiramente segura. A nossa não é. A Venezuela adotou o sistema proposto: alem de digitado, o voto impresso é depositado numa urna. Sempre haverá possibilidade de conferir os resultados.
Mas essa não é a única questão. Precisamos reduzir drasticamente o poder econômico nas eleições. Apoiamos o financiamento público estrito das campanhas e o voto misto, distrital e proporcional em listas partidárias, desde que o ordenamento das listas seja votado democraticamente dentro dos partidos.
Os partidos de qualquer modo precisam de uma lei orgânica nova: eles mais se assemelham a ONGs, recebendo dinheiro público. Partidos sem organização democrática não podem governar democraticamente.
A reforma política proposta pela Presidente Dilma, no auge das manifestações de julho no pais, descuida, no entanto, desse aspecto, propõe mudar mais as regras e detalhes eleitorais e o financiamento das partidos do que a essência democrática dos mesmos – o cerne das manifestações, segundo muitos, é que os partidos se distanciaram das suas bases populares. Não possuem projeto de pais, nem uma direção estratégica para o desenvolvimento brasileiro – como se isso fosse assunto apenas de governo.
Em 22/05/13
Juliana Brizola – Deputada estadual, secretária geral do PDT RS.
Eduardo de Azeredo Costa – membro do PDT RJ.
* (notas escritas originalmente para responder a perguntas para um livro que está no prelo1) – houve um pequeno re-ordenamento e acréscimos que estão em itálico, de 1o. julho. Marcamos esse fato para que se perceba a visão que tínhamos antes das manifestações e como estavam absolutamente concertadas com o sentimento do país que aflorou nas mesmas.
1 DEZ ANOS QUE ABALARAM O BRASIL – E o futuro? – João Sicsú – Editora Geração – São Paulo, julho 2013.