Águas Passadas.*
Ouvi uma
sirene do tipo de bombeiros, entre 11:00 e 12:00 horas de hoje. Fui à janela e
vi que eram duas ambulâncias, daquelas vermelhas que criamos no Governo Brizola
no Rio, em 1985, para emergências de rua; não era do SAMU. Vieram na contramão, era dia de feira.
Uma delas saiu, e antes da segunda partir, chegou uma patrulhinha. Estava tudo
calmo na feira, visto de cima. Não ouvi tiros – seria uma queda de prédio ? –
em geral dá alvoroço.
Minhas memórias são vívidas do início da operação dessas ambulâncias, da decisão de formar tenentes-médicos, da seleção de equipamentos, da central de informação, comunicação e controle, da decisão de montar oficina, e das críticas de nossos sempre contras. Em 1986, não tinha candidato no Brasil que não prometesse ambulâncias como aquelas. Pensei em fotografá-la, tantos anos passados. Mas demorei a descer para fazer a minha feira.
Depois do pastel, perguntei ao feirante o que houvera. “Um velho senhor foi morto a facadas pelo filho”, me disse, comentando que isso era um absurdo: - um filho não pode atacar um pai. Tentei dizer que…, mas ele de pronto disse que nada justificava. Não cheguei a falar em doentes mentais e drogados. Pensei: - já vi famílias destroçadas sem saber como se conduzir com filhos doentes ou viciados. Lembrei do suicídio de uma querida amiga e da peripécia para internar o seu filho, que claro não aceitava. Disse: - Bom..., é… E terminei minhas compras no ritmo calmo da feira de hoje.
Minhas memórias são vívidas do início da operação dessas ambulâncias, da decisão de formar tenentes-médicos, da seleção de equipamentos, da central de informação, comunicação e controle, da decisão de montar oficina, e das críticas de nossos sempre contras. Em 1986, não tinha candidato no Brasil que não prometesse ambulâncias como aquelas. Pensei em fotografá-la, tantos anos passados. Mas demorei a descer para fazer a minha feira.
Interior de uma ambulância da defesa civil. Condições de cirurgias e manobras de ressuscitação. |
Depois do pastel, perguntei ao feirante o que houvera. “Um velho senhor foi morto a facadas pelo filho”, me disse, comentando que isso era um absurdo: - um filho não pode atacar um pai. Tentei dizer que…, mas ele de pronto disse que nada justificava. Não cheguei a falar em doentes mentais e drogados. Pensei: - já vi famílias destroçadas sem saber como se conduzir com filhos doentes ou viciados. Lembrei do suicídio de uma querida amiga e da peripécia para internar o seu filho, que claro não aceitava. Disse: - Bom..., é… E terminei minhas compras no ritmo calmo da feira de hoje.
Lancho em casa e
ouço no rádio: Eduardo Coutinho foi assassinado a facadas na Lagoa. Putz, não
sabia que ele morava ali. Sua mulher também foi ferida e levada para o Miguel
Couto. O filho ferido mais levemente é suspeito. Tinha problemas mentais. Que
coisa trágica!
Importamos um grande avanço: a desospitalização à italiana na doença
mental, mas tudo que vira religião cria dissidências. Muita gente resistiu, mas
claro sempre a resposta foi que defendiam interesses do setor privado
hospitalar. Mas e o concreto das pessoas? Ninguém se propõe simplesmente a
abolir - proibir – o fumo,
“mudanças de comportamento são lentas”, mas apoiamos empurrar uma mudança
completa no seio de famílias – claramente desejável – praticamente abolindo a
internação psiquiátrica sem o consentimento do paciente - fiquei a ruminar. E os
manicômios judiciários, como estarão? Bem, tudo melhorou no Brasil, ou não?
Eduardo Coutinho (eduardocoutinho.blogspot.com.br) Foto de Aspásia Camargo. |
Ao
escrever, vejo que devo esclarecer. Desde logo, aviso: antes da nova
constituição, tivemos de lidar no Rio com a barbárie legada do tratamento
asilar de doentes mentais.
Três eram
os hospitais psiquiátricos do estado (RJ): o de Jurujuba em Niterói, o de Vargem
Alegre em Barra do Pirai e o de Carmo. Os dois primeiros eram os de filmes de
horror, iniciamos a desativação. Este último era diferente, prestou
modestos/bons serviços até 2002, sendo desativado em 2005. O resumo da situação
era o abandono de e por todos. Mendigos e alcoólatras largados pela polícia à
porta, sem identificação, passariam a viver naquele inferno. Ninguém reclamava
o parente desaparecido, não havia para onde mandar de volta à família. Simples
assim.
Como
Secretário de Saúde fui convidado para a mesa inaugural de um primeiro
Congresso Nacional de Psicanálise. A esses médicos e psicólogos disse que nada simbolizava
mais o avanço na saúde mental do estado na nossa gestão do que a comemoração
que fizéramos do primeiro mês em que em Vargem Alegre não tinha havido nenhum
óbito por fome ou tuberculose – a média no passado era um óbito por dia. O
ex-diretor era um PM! Colocamos um jovem pneumologista - Hélio Camerano!
(Registro que tínhamos um programa de saúde mental, bem dirigido pelo Maxim Sauma e depois
pela Marisa Conde, mas não cabe falar disso.)
Agora,
deixar as famílias sem alternativa para proteger-se e aos próprios pacientes, é
outra coisa. Tudo depender de mandados judiciais e criar o sentimento de maus
pais por quererem internar filhos em episódios graves é outra. É uma espécie especial
de liberalismo à força.
No meio
disso lembro de meu tempo de Inglaterra. Sem o alarde próprio dos latinos,
reservaram leitos hospitalares em hospitais gerais e alternativas comunitárias.
Mas sem a chave não adianta copiar: não funciona. Sem o médico GP – aqui médico
de família, que acompanhando o paciente e a família ao longo do tempo, sabe
quando tomar a decisão de internar imediatamente e como continuar o tratamento
na volta, constrangemos as famílias as deixando, já fragilizadas emocionalmente, sem saber o que fazer.
Por isso, e
muito mais, continuo a apoiar o mais médicos, mas não é só para as populações
desatendidas: é para todos, principalmente para os milhões mal atendidos nos
grandes centros urbanos: a saúde pública precisa dar atenção individualmente
dedicada a TODOS. Para isso um serviço nacional ou único de saúde pública, com carreira
para os profissionais da saúde. Quem sabe devessem todos conhecer nosso projeto
experimental à época de “sistema de saúde em sua estrutura-tipo" para uma
micro-região ou distrito: um hospital geral, policlínicas e unidades de atenção
primária com o médico de família.
Vale a pena
escrever sobre isso? Logo hoje, domingo 2 de fevereiro, dia de Iemanjá e
Oxumaré - N. Sra. dos Navegantes – procissão de barcos no Guaíba?! Festa da
melancia na meninice. Rajadas, doces, saborosas. As da feira não são como aquelas espalhadas no chão!
Eduardo A
Costa – 02/02/2014.
*(editado retirando outro assunto da feira de domingo - será retomado noutra nota ou artigo)
*(editado retirando outro assunto da feira de domingo - será retomado noutra nota ou artigo)
Em princípio, concordo com a importância de se destinar recursos de vulto para a área da saúde. Entendo que a promoção da saúde pública de forma generalizada, a educação básica e profissional, e a segurança preventiva e efetiva, constituem os objetivos centrais de uma Política de Estado. Mas não creio que se consiga isso em nosso país: Projetos Nacionais tivemos com Getúlio, Juscelino e Geisel. O resto foi a "acomodação" de projetos paroquiais, enrolados em pura e plena corrupção de políticos. Não creio mais em instituições públicas, nem com os seus agentes institucionais. Estou muito velho para sonhar com novos horizontes nesse dramático quadro de pobreza Institucional e de carência de agentes públicos. O máximo a que me permite é lutar para manter o pouco que temos, antes que seja aviltada ou roubada, como agora a BIGPHARMA pretende fazer com o CIS.
ResponderExcluirQue bom que você conseguiu publicar agora Nelson: o anônimo mais conhecido que os nônimos.
ExcluirNão surpreende o que você pensa. Tenho meus momentos de dúvidas, mas tudo dependo de um ambiente favorável. O que é difícil é manter as coisas como aí estão. Acho que o PT/Governo não vai aguentar por muito tempo a onda de insatisfação que se avoluma. O descontentamento com o privado também é muito grande. pequenas ilhas de qualidade a altíssimo preço servem a muito poucos.
Caro Eduardo. Quanto você cita o nosso saudoso Brizola me bate uma angústia pela perda de um político maior como ele soube ser. Estou com 74 anos, minha mãe era getulista e depois muito brizolista. O antigo PTB era a maior bandeira dos trabalhadores e pobres. Quando jovem radialista apresentei o Brizola várias vezes na televisão, me sentia bem ao seu lado, o Brusa Neto fazia nosso meio de campo. Estive com ele nos porões da legalidade como assíduo locutor: ' O Brasil não aceita o golpe, o Brasil não aceita a ditadura, Jango presidente!!", era nosso grito de guerra. Estiveste mais próximo dele ainda, parabéns e obrigado por nos lembrares ações deste político exemplar. Luiz Carlos Lantieri, médico.
ResponderExcluirPrezado Lantieri, você é uma testemunha viva do melhor da história do Brasil desses últimos 60 anos. Como estudante nas ruas de Porto Alegre naqueles dias fiz minha formação política, como você. Precisamos estar juntos para construir um novo tempo para além de "tudo que aí está" para os jovens brasileiros. Abraços do Eduardo.
ExcluirParabéns, Eduardo!
ResponderExcluirBelo texto!
Eliete Ferrer
Dr. Eduardo,
ResponderExcluirGostei da crônica, pois retrata bastante o que acontece em muitas famílias.
Diversas vezes atendi mães desesperadas por tratamento para os seus filhos, sem saber o que fazer e, raras exceções, conseguiam autorização judicial para a internação, mesmo sendo visível a necessidade para reestabelecer o paciente.
Por outro lado, na minha pouquíssima experiência com saúde da família, já acompanhei alguns médicos que até procuram o paciente na residência dele, mas muitos se recusam a fazer um tratamento corretamente.
Um sofrimento para a família que talvez pudesse ser evitado com uma atenção diferenciada.
As situações são mesmo dramáticas. Mas como você diz Núbia, é necessário que haja uma atenção diferenciada nesses casos. O problema no Brasil é mais complicado por três razões: a primeira a existência de amplos segmentos da população com acesso muito limitado a serviços de qualidade, a segunda que vem sobre essa é o domínio de um pensamento de cada um por si, que se ajusta aos interesses privados da saúde e a terceira é não termos privilegiado na constituição em 88 a construção de um serviço único de saúde, fundado sobre o médico de família. Uma família com uma pessoa doente, acaba agindo pressionada por emoções muito fortes, uma razoável parte delas não aguenta e toda a estrutura familiar rompe. Nesse caso toda a família precisa ser "tratada", como desde anos o colega Daniel Chutoransky, falava. Mas há uma questão chave: se é para toda a vida a organização da saúde não pode ser fragmentada por especialidades: a costurar as mesmas um perfil de quem ajuda as pessoas a tomar decisões críticas, com seu conhecimento, sua experiência e sua confiança - um médico de família.
ExcluirSaravá Iemanjá !!!!
ResponderExcluirOxumaré traz de volta para as nuvens a água das chuvas. Tá sem trabalho no Rio.
ResponderExcluirabs
Achei muito oportuna a sua reflexão. parabéns! precisamos de homens públicos que tenham coragem de falarr de coisas difíceis de serem solucionadas. Tudo começa com a reflexão coletiva!
ResponderExcluirNão considero uma questão difícil de ser solucionada e, o pior não acho que homens públicos de hoje sejam capazes de solucionar. Como não precisam de conhecimento para se eleger; quando o problema aparece buscam especialistas e esses é que são divididos, com pouco conhecimento histórico e em geral restritos a aspectos específicos dos problemas. No campo psi se digladiam em correntes. Organizar a assistência inteira na saúde é o desafio para solucionar esse e muitos mais problemas, devolvendo seus ajustes e melhorias ao diálogo entre as famílias e a cínica de família.
ResponderExcluir