sexta-feira, 9 de maio de 2014

GETÚLIO POR TONY RAMOS

QUEM QUERIA QUE O MAJOR VAZ E NÃO LACERDA MORRESSE?

Observações e Contradições.


Acabei de ver o filme de João Jardim sobre os últimos dias do Presidente Getúlio Vargas. Independente das qualidades cinematográficas e dos atores e atrizes (Drica Moraes arrasa como Alzira) e mesmo do cenário do palácio do catete, o drama de Getúlio está pouco marcado por se valer apenas de imagens de seus sonhos e poucas expressões de desgosto, como era seu estilo, em relação a opositores e colaboradores que de forma variada o decepcionavam.

Naquele mesmo palácio vi a peça de Aderbal Freire Filho, com Paulo José, e depois Othon Bastos, como Getúlio, Domingos de Oliveira e o próprio Aderbal como Benjamin, com maior liberdade para criar um clima da época.

A questão que me assaltou, no entanto, é outra: como o público que não viveu aqueles dias, nem leu Helio Silva, Rubem Fonseca e José Augusto Ribeiro, entre outros, decodifica historicamente aquela obra que pretende uma certa neutralidade narrativa, ainda que de dentro do palácio?

Sabem os mais jovens quem era o Brigadeiro Eduardo Gomes, por exemplo? As rápidas passadas por temas bastante profundos só se impregnam da história para quem a conhece.

Getúlio bota a mão no petróleo brasileiro.
Terá o domínio do “mar de lama”, construído sem contestação, deixando apenas perguntas sem resposta (Maneco Vargas vendeu ou não uma fazenda para Gregório?) e o sentimento de Getúlio ser traído por seu fiel Gregório, dando um prato cheio para a oposição, o sumário histórico pretendido daquele momento?

Quem, que não leu, pode associar a campanha pelo Petróleo é Nosso e a criação da Petrobrás em 1953, quando nosso exército já estava atrelado pela guerra ao exército americano e aos desígnios do Pentágono, àqueles personagens entreguistas, como eram identificados?

Notas de Getúlio em que registra a sua decisão
na última reunião ministerial.
O conteúdo político da carta-testamento é esvaziado no filme, e há um ausência histórica difícil de se esquecer; onde está o presidente nacional do PTB, ex-ministro do trabalho, João Goulart? Ele não só recebeu a carta-testamento de Getúlio com as instruções de não abri-la antes de chegar em Porto Alegre, para onde iria, tendo voltado do aeroporto, como se tornaria o herdeiro político de Getúlio, e nem nas notas finais, mesmo aparecendo ao lado do caixão, constou que seria eleito Vice-presidente da República.

Mas, sem dúvida, a altivez e o sacrifício de Vargas, durante todo o filme comprovam: não é qualquer um que se torna um estadista, capaz de construir as bases de uma nação. 

O filme vem em boa hora para suscitar o debate esclarecedor. Com tutores é uma obra que ajudará a falar da história do Brasil nas escolas.


O “Atentado da Toneleros” e a “República do Galeão”

Independente do filme, mas suscitado por ele, há perguntas e dúvidas que não têm sido exploradas, em particular sobre o atentado da Toneleros.

A primeira e mais óbvia é: o que fazia o major da aeronáutica Rubem Vaz que estava com Lacerda, um simples jornalista virulento anti-governo, como se fosse sua guarda pessoal? E logo, como um militar assassinado fora de serviço suscita um inquérito que invade um palácio presidencial? 

Ora, oficiais da aeronáutica se revezavam acompanhando Lacerda, como se fossem ajudantes de ordem - o golpe estava em marcha.

Com os amigos Alexandre Silla e Trajano Ribeiro, ouvimos e debatemos com o delegado Jorge Pastor, responsável pela investigação do crime da rua Toneleros, contradições incríveis, as quais muitos mais velhos ainda lembram, mas que não são sequer sugeridas no filme.

Lacerda com a perna engessada na noite do atentado.
(gravata preta, calça sem sangue)
Carlos Lacerda com o apoio de sua gangue, certamente simulou que levou um tiro na perna! Ora, segundo o delegado ele declarou que foi levado de imediato para o Hospital Miguel Couto, onde foi engessado. Mas ninguém tirou o gesso para um exame pericial. Não encontrou o delegado um registro no Miguel Couto de seu atendimento, raio-X e laudo.

Lutero Vargas que era médico ortopedista, e certamente tinha amigos no Miguel Couto, perguntava: mas como um tiro no pé de uma pistola 45 não faria um estrago que não precisasse uma cirurgia? 

E nós médicos, sabemos muito bem: NÃO SE ENGESSA EM CIMA DE FERIMENTO PELO RISCO DE INFECÇÃO (GANGRENA!)– nenhum plantonista o faria! 

Quando o delegado Pastor quis avançar nas investigações, pedindo a arma de Lacerda para exame, esse ficou indignado e pediu para tirarem a polícia do caso: tudo foi passado para a aeronáutica. 

Mas há mais: a necrópsia do Major Rubem Vaz revelou que ele levou dois tiros certeiros no coração que se cruzaram no tórax, ou seja sua morte não foi acidental tentando matar Lacerda, duas pessoas atiraram nele de perto para tamanha precisão. É improvável a hipótese do primeiro tiro ter feito ele rodar 180 braus e assim o segundo cruzar no mesmo ponto. A perícia teria de mostrar que ua bala entrou pelo peito e a outra pelas costas. E ele estava desarmado, segundo a investigação teria deixado a pistola 45 no porta-luvas do carro - nunca periciada. Mas a “República do Galeão” tomou conta de tudo para dar a versão que os golpistas queriam.

Gregório que chegou a alegar ter assinado confissões dopado, passou para a história como um pobre coitado, um cão fiel que mata para proteger o patrão, mas assim o condena. E isso foi pouco, e conveniente, depois do suicídio. Os quebra-quebras advertiam os militares, que tentariam impedir a posse de Juscelino e Jango, mais tarde!

Mas porque queriam matar o Major Vaz e não Lacerda em agosto de 1954? Haveria entre os golpistas quem não vacilaria em matar um inocente para simular uma atentado capaz de derrubar um governo? Quem tinha tamanho mau caráter?


Eduardo de Azeredo Costa

8 de maio de 2014.

4 comentários:

  1. Análise precisa, esclarecedora e instigadora

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  2. Pedro, mesmo nos livros que antes li, não tenho qualquer registro de que tenham procurado saber quem era o Major Vaz e porque estava ao lado de Lacerda naquela noite. Ouvi duas opiniões superficiais sobre isso. Uma é que a Aeronaútica tramando ao lado de Lacerda (Eduardo Gomes foi candidato pela UDN contra Getúlio pelo PTB) colocava como se fosse um ajudante de ordens um oficial subalterno para acompanhá-lo, e o do dia seria o Major. Também ouvi a versão que Gregório teria sido ardilosamente instigado a dar um "susto" em Lacerda. Os tiros no Major não foram todavia por reação dele no episódio. Teriam sido planejados e Climério e Altino teriam recebido dinheiro para matá-lo, servindo a dois patrões. Enfim, muito seria revelado se houvesse mesmo hoje vontade para tal.

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  3. Passo os olhos no livro do Hélio Silva hoje e me surpreendo com um detalhe. No filme aparece a fala de que 37 de 80 generais haviam assinado o manifesto pela renúncia, mas o manifesto é reproduzido no livro e existem 19 assinaturas. Interpretando a Alzira o cachorro latia, mas não tinha ainda dentes. Não surpreenderia a dos generais Juarez Távora e Castelo Branco estivessem entre os 19. Mas a última assinatura sim surpreende: General Teixeira Lott.

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  4. Como sempre o seu texto me encheu de perguntas, o que é ótimo pois, como uma boa filha de historiador, minha curiosidade me faz pesquisar e estudar mais. Com toda certeza quando eu assistir o filme novamente, assistirei com um outro olhar.

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