MOVIMENTO ARMORIAL IMORTAL
Era a
Guerra. Nas ruas de Natal e do Recife começavam a ser vistos os "mariners" americanos.
Naquele ano
de 1942, Ariano com 15 anos chega
no Recife depois de viver 12 anos em Taperoá, no interior da Paraíba. Sim, conversamos sobre a sua fonte de
referência, aqueles tempos de sertão, tudo que se lembra depois da morte de seu pai. Foram anos crescendo com a convivência sertaneja, quando se muda da Paraíba, onde seu pai fora
Governador de 1924 a 1928. Nascido, pois, filho de Governador, em 1927.
Estava agora
se mudando para a cidade onde o Governador João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, que sucedera a João Suassuna, fora
assassinado em 1930. Por coincidência, seu pai também se chamava João Pessoa –
João Pessoa Suassuna, que foi morto no Rio de Janeiro, naquele ano também, provavelmente por suspeitarem que estava envolvido na morte do adversário político, quando Ariano tinha três anos idade; por isso a família foi para o interior. Estudaria
direito no Recife, quando começaria a se envolver com o teatro.
Aquela
noite de sábado de Carnaval no Recife, para além da densa memória do personagem
e sua casa avarandada em Casa Forte, tornava-se inesquecível.
Ciro* e eu, vimos o colega Nilton Arnt desembarcar no
caminho, em Salvador. Continuamos até Recife. Fizemos amizade com o comissário
de bordo – o Gilberto – e decidimos nos hospedar, como ele, no Hotel Boa Viagem
durante o carnaval.
Era noite de sexta-feira. Na quarta de cinzas teríamos de começar nosso estágio – iríamos para Palmares. Éramos médicos recém-formados, migrantes às avessas, que se dirigiam à Amazônia.
Era noite de sexta-feira. Na quarta de cinzas teríamos de começar nosso estágio – iríamos para Palmares. Éramos médicos recém-formados, migrantes às avessas, que se dirigiam à Amazônia.
No sábado, pelo catálogo, achei o Oscar Coutinho Neto, a quem
eu conhecera em Porto Alegre depois de um congresso de estudantes de medicina e
liguei para ele. Oscar ficou feliz
com os visitantes e marcou para nos apanhar para o “corso” à tarde. Era o carnaval de rua em que a
brincadeira era melar uns aos outros com lama. À noite planejávamos ir a um
baile azarar as gurias. Mas o Oscar insistia em nos levar numa festa na casa de
Ariano, seu parente. Um pouco contrariados fomos, mas não sabíamos ainda que
Ariano era esse.
Quando chegamos na casa buzinando, o personagem nos recebeu vestido de
cáqui e sandálias de couro dando tiros de espingarda para os céus. Era o
Suassuna! - o cara do Auto da Compadecida, que afinal louvávamos como
estudantes de um tempo de CPC da UNE, da cultura popular brasileira.
Ao saber que éramos jovens médicos sulistas que iam estagiar
em Pernambuco, mas tinham o destino da Amazônia, se empolgou, chamou a mulher
para explicar cada quitute servido na mesa. Falamos de Brizola e Arraes,
exilados pela ditadura militar. E nos contou histórias de gaúchos e
pernambucanos por um bom tempo. Numa delas, o gaúcho com um facão arrotava para o
pernambucano, que de um golpe fazia um talho tão fundo que acabaria com o cabra.
- É sô, nóis aqui só usamo essa faquinha, mas fazemo tanto furinho que não
sobra vontade do valente levantá o facão.
E falamos de futebol, do Inter de Porto Alegre e do Sport do
Recife. Recomendou o baile do Sport no Clube Internacional. Foi o que fizemos
no dia seguinte.
Já passava da meia-noite, a festa familiar começava a
arrefecer, quando na varanda, sentados no chão, ele nos contou sobre seu último
trabalho – o livro que escrevia, e demonstrava claramente achar que seria um marco na literatura
nordestina.
Ariano nos contaria de sua vida e de suas pesquisas sobre a
cultura popular que o levaram a criar o movimento armorial nordestino, numa fusão ibérico-sertaneja. O livro em
que desenvolvia o tema e que estava a escrever se chamaria o Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, que
se tornou um clássico.
Em 1971, pude tê-lo às mãos, quando já morava no Rio. Mas eu
já sabia a estória… explicava orgulhoso a amigos, contando sobre o narrador-personagem Quaderna.
Era o
Ariano de 39 anos de idade, de cáqui e sandália, com a espingarda na mão! Esse, só morre quando eu morrer.
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* Nota - Ciro de
Quadros, faleceu recentemente em Washington, aos 74 anos de idade, com direito
a necrológico no Washington Post e New York Times. Personagem importante da
saúde pública mundial.
Eduardo de
Azeredo Costa
Rio, 23 de
julho de 2014.
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