terça-feira, 7 de janeiro de 2014

BRASIL RASGADO


(Homenagem a João Goulart e Wilson Fadul)

Nesses dias a mídia relançou a participação de Kennedy na decisão de invadir o Brasil, caso os golpistas brasileiros não conseguissem derrubar o governo sem a presença direta dos marines americanos no solo brasileiro. Tudo ouvido diretamente da boca de Kennedy e, como ouvimos antes, diretamente e cruamente também da de Lindon Johnson.

Jango é recepcionado em NY, 1962.
Não há novidade, a novidade é o relançamento do série de livros do Elio Gaspari, em particular do primeiro e segundo volumes (A DITADURA ENVERGONHADA e A DITADURA ESCANCARADA) atualizados também com revelações à Comissão da Verdade. Excelente obra, o que redime o jornalista de algumas más páginas nos tempos atuais.

O que dá engulhos, no entanto, é a sempre participação do agente falcão americano, designado na época de “embaixador” Lincoln Gordon – sempre ele - tramando sem parar para derrubar o governo João Goulart.  Sobre ele, quando em entrevista recente disse que o golpe de 1964 foi um êxito completo, proclamando-o como a maior vitória do “ocidente” na Guerra Fria, maior até que a queda do muro de Berlim, escrevi: o Embaixador do Vietnã do Sul, em Saigon, nunca pode dizer o mesmo: teve de fugir quando os Estados Unidos foram derrotados militarmente por Ho Chi Ming, o General Giap e  povo vietnamita, em 1975.

Na Casa Branca, de pé: L.Gordon, R. Campos, S.T.Dantas e R. Goodwin.
Tive oportunidade no meu livro “50 anos desta noite” de relatar o que colhi pessoalmente do Wilson Fadul e de várias outras fontes escritas, inclusive os livros do Gaspari, e de material americano gravado e que está disponível no You Tube, sobre os episódios de 1964.

Revelar essa intenção de invasão do Brasil hoje é pouco.  É preciso dizer com todas as letras, que até mapa existia da divisão do Brasil se houvesse resistência militar. O mapa considerava que a resistência seria no sul, com Brizola liderando, o que seria o Brasil do Sul. O Brasil do Norte iria até Pernambuco. O mapa que vi recentemente, separava a Amazônia e parte do Nordeste, que seriam anexados aos Estados Unidos – ocupados e governados por eles.

Naqueles dias de março, Santiago Dantas, que estava afastado do Governo, muito amigo do Fadul, contou a ele o que sabia, e Fadul disse que falasse direto com o Presidente sobre o assunto e marcou a audiência.  No dia 1o. de abril, na reunião com o General Âncora, interino no 1o. Exército, Jango viu o mapa, segundo Fadul. E desfez qualquer ordem de dissolver o levante de umas poucas unidades facilmente sufocáveis. Não autorizou também que a FAB bombardeasse as tropas do General Mourão. Só deram um rasante que foi um espalha baratas.

Voltou a Brasília, naquele dia. E de lá mais tarde rumou para Porto Alegre, onde chegou de madrugada do dia 2. Enquanto viajava, o Congresso dava o golpe, declarando vago o cargo. Na posse, na madrugada, de Rainieri Mazzili, o secretário da embaixada americana era um solitário representante, que a todo instante falava com Gordon, que transmitia a Johnson. De manhã Johnson já havia reconhecido oficialmente o novo governo brasileiro. Em Porto Alegre, Jango avaliou o quadro e resolveu não resistir, não queria derramamento de sangue, o Brasil fraturado. Saiu do Brasil no dia 4 de abril. Evitou, segundo muitos, termos um Brasil do Sul e um do Norte. Manteve a Amazônia brasileira. Mas o preço pago foi muito alto. Não se esperava a barbárie que viria à frente. A concertação com golpes em outros países latino-americanos.


Fadul na sua posse como
Ministro da Saúde em 1963.
Na raiz do ódio contra Jango estavam os interesses da Bond&Share e da ITT, nacionalizadas por Brizola, o 13o. salário e a memória de sua disposição de melhorar salários, além é claro das reformas de base propostas. A campanha em 1963, liderada por Fadul contra as multinacionais dos medicamentos, foi um duro golpe nas fraudes contábeis que permitiam a exploração do país.

Por estranho, também, o movimento sanitário brasileiro homenageou Fadul em vida pela 3a. Conferência Nacional de Saúde, onde a municipalização da atenção básica foi proposta, mas silenciou sobre a maior contribuição de Fadul para a defesa da soberania nacional: a denúncia das práticas das multinacionais dos medicamentos - o enfrentamento mais popular do período João Goulart.

Eduardo Costa em 07/01/2014.



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