terça-feira, 31 de dezembro de 2013

NOS DETALHES MORA A LUZ


No sábado, depois de um almoço com bons amigos, voltei para casa passando pela Lagoa, ainda de dia, e pensei no detalhe da árvore do Bradesco, que, parece, ninguém quer ver: – sua estrutura é bruta e feia.  Planejei escrever sobre detalhes “tão pequenos de nós dois” que servem ao bem e ao mal também – “o diabo mora nos detalhes”. 

Abro o jornal de domingo e em duas matérias diferentes aparece título de “detalhes” – Elio Gaspari (“A privataria petista mora nos detalhes”) e Veríssimo (“Detalhes, detalhes”). Ué, estamos numa fase de pensar em detalhes. Concluí o óbvio: a vida é uma colcha de detalhes!

Pois, o jornal de domingo foi pródigo para se pensar em detalhes. Até pensei que nos detalhes mora a verdade. Regras gerais são ditados conclusos sem fatos nas matérias jornalísticas; são a “opinião pública” sem assinatura. São os preceitos e os preconceitos.
O que importa aqui, enfim, é que não dá para passar batido pelos detalhes reveladores, de que fala o Veríssimo.

No dia 31, hoje, último dia do ano, penso nas revelações daquele jornal de domingo ainda na minha mesa. Putz, e a entrevista do Snowden, hein?!

Penso em pianista negro, vem o Bené Nunes que não era, muito menos o Milito. Nem o Jean Paques et sa musique douce de nossas reuniões dançantes, mas o Nat King Cole era. Entre os jazistas americanos o Veríssimo diz que tem muitos . Paro aqui, não sou mesmo focado em música.  Mas a questão do negro na história americana e brasileira me mobiliza mais. Fala-se muito na política do branqueamento do século XIX, mas poucos sabem que na raíz da menor miscigenação nos Estados Unidos do que no Brasil, como mostraram os censos dos séculos XVIII e XIX, estava a composição da importação dos escravos. Os americanos do norte queriam famílias recém ou para serem constituídas, os brasileiros queriam só meninos e uma ou outra menina para os trabalhos caseiros. Pode ser que isso não explique tudo, mas explica muitas diferenças, para alem da condição econômica dos escravos liberados mais tarde. Um detalhe a mais.

O deputado Raul Henry, ao falar do apartheid educacional brasileiro, revela o mais impressionante e verossímel detalhe: os pais dos alunos matriculados nas escolas públicas são satisfeitos com a escola dos seus filhos, ainda que objetivamente, por resultados escolares objetivos, o ensino seja na média muito ruim (dados do Todos pela Educação).  Eu fico cá pensando: talvez isso ocorra no SUS Maravilha (apud Ligia Bahia) também. E o deputado conclui com incrível clarividência: “Quando não há pressão social pela solução de um problema de tamanha gravidade, é preciso uma ação institucional.”
Ora se isso não afeta nem a eleição local, como vai afetar a nacional? O senador Cristovão Buarque há mais tempo fala da federalização do ensino fundamental. E, eu já escrevi o mesmo para a saúde. Esse nosso modelo de municipalização está furado.

E mais gente acha o mesmo do que nos foi legado pela carta de 88: o contrabando originário do final da ditadura, quando um ministro simpático dizia que as pessoas moram no município – uma bobagem repetida sem parar pelos apoiadores da Nova República sarneísta – contaminou a nova constituição confundindo cidadania e municipalização. Aliás o Ministro Luís Barroso acaba de dizer claramente que devíamos ter um distrito eleitoral para a eleição de deputados (o distritão, como a mídia quer queimar), o que sempre propus para a saúde.

Mais abaixo naquela página 19 do jornal a Dra. Monica Schaum fala do milagre da prevenção do câncer.  Lembra ela que o Sudeste tem 2,7 médicos por mil habitantes, quase três vezes mais do que o Norte. Se formos olhar os recursos per capita para a saúde será muito parecido. Por isso falo que mais recursos nesse modelo assistencial vão para o mesmo ralo. Não adianta, mesmo com dados super duvidosos dos gastos brasileiros em saúde, dizer que os Estados Unidos gastam dez vezes mais per capita. Quem disse que a saúde deles é boa por isso? Ao contrário, é apenas mais cara, Dra. Monica.

Antes de tudo para a saúde melhorar no Brasil é necessário que se planeje a saúde com base na equidade. O foco deve ser corrigir as desigualdades no acesso aos serviços de saúde e promover a igualdade na prevenção. Isso só é possível com um serviço público de saúde pujante e organizado, sem dupla militância, sem estímulos indevidos a planos de saúde. O detalhe é que o SUS deve esquecer que é um sistema único de saúde para se tornar um serviço público, único, federado de saúde, gratuito no momento de utilização. Nessa estrutura institucional, a carreira dos servidores, seu treinamento contínuo, recriarão pela prática o ensino de qualidade para os profissionais de saúde.

Essa escrita, meio crônica de hoje, precisa encerrar com o que de melhor se leu no jornal “O Globo” do último domingo do ano: a entrevista de Edward Snowden comentada por Dorrit Harazin. Ela diz que sem dúvida as falas do Papa Francisco e de Edward Snowden foram o que melhor se ouviu no ano. Para ela, o Papa ao reorientar a “Igreja para a igualdade e justiça social... poderá ser o artífice de grandes mudanças sociais no futuro.” No entanto, “Edward Snowden, ao decidir revelar ao mundo a teia de programas invasivos com que vivemos, já concluiu seu trabalho. Quem quiser proteger as migalhas de privacidade que ainda dispomos, mexa-se.”

Para mim, foram muitos trechos de ambos que valem a pena ser lidos e os destaques são questão de escolha para mostrar outros ângulos da mesma coisa. As razões das palavras do Papa e de Snowden são concordantes: “Quem sou eu, por caridade, para interferir no diálogo de um gay com Deus” e na homilia da missa do galo fala que trazemos as trevas no nosso interior, mas sabemos o caminho a trilhar. E adiante :“O Senhor perdoa sempre!” – diz o Papa.  Snowden diz que fez o caminho possível:  “Se eu desertei, desertei do governo para o povo.” E a frase de maior alcance em termos éticos – o livre arbítrio - que os aproxima: “A privacidade é o que permite determinar quem somos e o que queremos ser.”

Meu detalhe, nessa mensagem de início de ano vai para o legado de Mandela, vai para a necessidade da atitude: precisamos carregar para o novo ano o ânimo de caminhar em busca de um novo mundo.




Eduardo em 31/12/13

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