No sábado, depois de um almoço com bons amigos,
voltei para casa passando pela Lagoa, ainda de dia, e pensei no detalhe da
árvore do Bradesco, que, parece, ninguém quer ver: – sua estrutura é bruta e
feia. Planejei escrever sobre
detalhes “tão pequenos de nós dois” que servem ao bem e ao mal também – “o
diabo mora nos detalhes”.
Abro o jornal de domingo e em duas matérias
diferentes aparece título de “detalhes” – Elio Gaspari (“A privataria petista
mora nos detalhes”) e Veríssimo (“Detalhes, detalhes”). Ué, estamos numa fase
de pensar em detalhes. Concluí o óbvio: a vida é uma colcha de detalhes!
Pois, o jornal de domingo foi pródigo para se pensar em
detalhes. Até pensei que nos detalhes mora a verdade. Regras gerais são ditados
conclusos sem fatos nas matérias jornalísticas; são a “opinião pública” sem
assinatura. São os preceitos e os preconceitos.
O que importa aqui, enfim, é que não dá para passar batido
pelos detalhes reveladores, de que fala o Veríssimo.
No dia 31, hoje, último dia do ano, penso nas revelações
daquele jornal de domingo ainda na minha mesa. Putz, e a entrevista do Snowden, hein?!
Penso em pianista negro, vem o Bené Nunes que não era, muito
menos o Milito. Nem o Jean Paques et sa
musique douce de nossas reuniões dançantes, mas o Nat King Cole era. Entre
os jazistas americanos o Veríssimo diz que tem muitos . Paro aqui, não sou
mesmo focado em música. Mas a
questão do negro na história americana e brasileira me mobiliza mais. Fala-se
muito na política do branqueamento do século XIX, mas poucos sabem que na raíz
da menor miscigenação nos Estados Unidos do que no Brasil, como mostraram os
censos dos séculos XVIII e XIX, estava a composição da importação dos escravos.
Os americanos do norte queriam famílias recém ou para serem constituídas, os
brasileiros queriam só meninos e uma ou outra menina para os trabalhos
caseiros. Pode ser que isso não explique tudo, mas explica muitas diferenças,
para alem da condição econômica dos escravos liberados mais tarde. Um detalhe a
mais.
O deputado Raul Henry, ao falar do apartheid educacional
brasileiro, revela o mais impressionante e verossímel detalhe: os pais dos
alunos matriculados nas escolas públicas são satisfeitos com a escola dos seus
filhos, ainda que objetivamente, por resultados escolares objetivos, o ensino seja na média
muito ruim (dados do Todos pela Educação). Eu fico cá pensando: talvez isso ocorra no SUS Maravilha
(apud Ligia Bahia) também. E o deputado conclui com incrível clarividência:
“Quando não há pressão social pela solução de um problema de tamanha gravidade,
é preciso uma ação institucional.”
Ora se isso não afeta nem a eleição local, como vai afetar a
nacional? O senador Cristovão Buarque há mais tempo fala da federalização do
ensino fundamental. E, eu já escrevi o mesmo para a saúde. Esse nosso modelo de
municipalização está furado.
E mais gente acha o mesmo do que nos foi legado pela carta
de 88: o contrabando originário do final da ditadura, quando um ministro
simpático dizia que as pessoas moram no município – uma bobagem repetida sem
parar pelos apoiadores da Nova República sarneísta – contaminou a nova
constituição confundindo cidadania e municipalização. Aliás o Ministro Luís
Barroso acaba de dizer claramente que devíamos ter um distrito eleitoral para a
eleição de deputados (o distritão, como a mídia quer queimar), o que sempre
propus para a saúde.
Mais abaixo naquela página 19 do jornal a Dra. Monica Schaum
fala do milagre da prevenção do câncer.
Lembra ela que o Sudeste tem 2,7 médicos por mil habitantes, quase três
vezes mais do que o Norte. Se formos olhar os recursos per capita para a saúde
será muito parecido. Por isso falo que mais recursos nesse modelo assistencial
vão para o mesmo ralo. Não adianta, mesmo com dados super duvidosos dos gastos
brasileiros em saúde, dizer que os Estados Unidos gastam dez vezes mais per
capita. Quem disse que a saúde deles é boa por isso? Ao contrário, é apenas
mais cara, Dra. Monica.
Antes de tudo para a saúde melhorar no Brasil é necessário
que se planeje a saúde com base na equidade. O foco deve ser corrigir as
desigualdades no acesso aos serviços de saúde e promover a igualdade na
prevenção. Isso só é possível com um serviço público de saúde pujante e
organizado, sem dupla militância, sem estímulos indevidos a planos de saúde. O
detalhe é que o SUS deve esquecer que é um sistema
único de saúde para se tornar um serviço público, único, federado de saúde, gratuito no momento de utilização. Nessa estrutura institucional, a carreira
dos servidores, seu treinamento contínuo, recriarão pela prática o ensino de
qualidade para os profissionais de saúde.
Essa escrita, meio crônica de hoje, precisa encerrar com o
que de melhor se leu no jornal “O Globo” do último domingo do ano: a entrevista
de Edward Snowden comentada por Dorrit Harazin. Ela diz que sem dúvida
as falas do Papa Francisco e de Edward Snowden foram o que melhor se ouviu no
ano. Para ela, o Papa ao reorientar a “Igreja para a igualdade e justiça
social... poderá ser o artífice de grandes mudanças sociais no futuro.” No
entanto, “Edward Snowden, ao decidir revelar ao mundo a teia de programas
invasivos com que vivemos, já concluiu seu trabalho. Quem quiser proteger as
migalhas de privacidade que ainda dispomos, mexa-se.”
Para mim, foram muitos trechos de ambos que valem a pena ser
lidos e os destaques são questão de escolha para mostrar outros ângulos da
mesma coisa. As razões das palavras do Papa e de Snowden são concordantes:
“Quem sou eu, por caridade, para interferir no diálogo de um gay com Deus” e na
homilia da missa do galo fala que trazemos as trevas no nosso interior, mas
sabemos o caminho a trilhar. E adiante :“O Senhor perdoa sempre!” – diz o Papa.
Snowden diz que fez o caminho
possível: “Se eu desertei,
desertei do governo para o povo.” E a frase de maior alcance em termos éticos –
o livre arbítrio - que os aproxima: “A privacidade é o que permite determinar
quem somos e o que queremos ser.”
Meu detalhe, nessa mensagem de início de ano vai para o legado de Mandela, vai para a necessidade da atitude: precisamos carregar para o novo ano
o ânimo de caminhar em busca de um novo mundo.
Eduardo em 31/12/13
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