EDUARDO COSTA (16/10/2013) RESPONDE À REVISTA FACTO:
FACTO:
1. No contexto da saúde humana, qual a sua visão das possibilidades brasileiras
no campo biotecnológico?
EDUARDO: – O Brasil é um país privilegiado do ponto de vista
da biodiversidade, o que representa um manancial de oportunidades para o
desenvolvimento de produtos e processos inovadores. E, ainda, tem
tradição de pesquisa e desenvolvimento biotecnológico ao longo de sua história.
Por oportuno, devemos lembrar que fomos inovadores em muitos produtos,
especialmente até a década de 60.
A vacina contra a febre amarela da década de 30 é
exemplar. Nesse particular, gosto de citar uma vacina oral contra a tuberculose,
demonstrada de alta eficácia e efetividade contra a meningite pelo Mycobacterium
tuberculosae. Substituída por uma injetável desenvolvida no exterior, a
pesquisa com ela foi praticamente abandonada. No entanto, o mundo sonha com
vacinas orais.
Outro elemento crucial para a efetivação dessa potencialidade é que temos pesquisadores bem formados em inúmeras instituições nacionais. Bolsas de estudo e financiamento a pesquisas são providos por instituições nacionais e regionais de peso e, inclusive com programas voltados à inovação. E temos um BNDES, um banco poderoso voltado para o desenvolvimento industrial.
Outro elemento crucial para a efetivação dessa potencialidade é que temos pesquisadores bem formados em inúmeras instituições nacionais. Bolsas de estudo e financiamento a pesquisas são providos por instituições nacionais e regionais de peso e, inclusive com programas voltados à inovação. E temos um BNDES, um banco poderoso voltado para o desenvolvimento industrial.
E tem mais: ao se falar de saúde humana, o Brasil oferece um quadro bastante desafiante. De um lado, uma situação sanitária ainda precária, comparada a de outros países, mesmo latino-americanos e, de outro, um população que valoriza a saúde, que quer viver plenamente a vida.
O que precisamos, alem de pequenas correções ali e aqui, para
tornar essas vantagens efetivas para o desenvolvimento social e econômico
brasileiro; para beneficiar a saúde dos brasileiros? Por ora, para os efeitos desse artigo, afirmamos que não são
satisfatórios os horizontes da saúde só com novas tecnologias importadas, sem
desenvolvimento econômico e social do país.
FACTO:
2. Como vê a participação do estado brasileiro, em especial o programa de
parcerias para o desenvolvimento produtivo do Ministério da Saúde, no
desenvolvimento de produtos biotecnológicos voltados para a saúde humana?
EDUARDO: – O Ministério da Saúde deu um passo importante ao
ampliar a utilização planejada do mercado público para incentivar o
desenvolvimento de produtos biotecnológicos necessários para os serviços
de saúde. Essa história que, sem dúvida, é retomada ainda durante o regime
militar por razões estratégicas, iria se tornar altamente vitoriosa com
os resultados populacionais obtidos, mas, precisou de um outro elemento
crucial: o financiamento a fundo perdido, orçamentário, dos laboratórios
nacionais, em particular os estatais e para-estatais. Ainda que as referências
de preços estivessem presentes, não havia competição entre públicos e privados
no campo das vacinas.
É notório também o distanciamento da pesquisa da produção nesse período e a conseqüente falta de inovação. Produtos foram ficando defasados dos desenvolvidos alhures. A solução inicial foi o estabelecimento de contratos de desenvolvimento local de novos produtos originários, via de regra, de grandes empresas multinacionais, oferecendo o mercado público - indireto - durante alguns anos, como moeda de troca.
É notório também o distanciamento da pesquisa da produção nesse período e a conseqüente falta de inovação. Produtos foram ficando defasados dos desenvolvidos alhures. A solução inicial foi o estabelecimento de contratos de desenvolvimento local de novos produtos originários, via de regra, de grandes empresas multinacionais, oferecendo o mercado público - indireto - durante alguns anos, como moeda de troca.
Esse movimento propiciou, pelos investimentos públicos, uma
modernização tecnológica importante das instituições nacionais e qualificação
de pessoal no domínio industrial das técnicas envolvidas.
Mas o passo decisivo para a inovação estava por ser dado e ele foi propiciado pelo desenvolvimento out of the track – não em vacinas. Ou seja a utilização de pdps para produtos biotecnológicos seguiu o esforço para desenvolver uma política na área de medicamentos de alto custo. A necessidade era óbvia: havíamos quintuplicado os gastos na importação de medicamentos em pouco mais de uma década. E o ambiente estava impregnado de políticas dessa década anterior que imobilizavam os esforços nacionais: a extinção da CEME, a adoção das patentes com pipeline, liberalização das importações, inclusive com retirada de impostos de medicamentos de alto custo, e ausência de política industrial para o setor.
Essa história, que pode ser aprofundada, encontrou no programa de combate à AIDS sua janela de oportunidade. Com efeito esse programa com ampla mobilização internacional, a partir de ativistas sociais, é incorporado a órgãos internacionais e o Brasil seria uma referência mundial. Mas havia um detalhe, depois do AZT, desenvolvido localmente por uma empresa brasileira: no setor público fazíamos a formulação, mas importávamos a matéria prima, ainda que algumas empresas nacionais estivessem capacitadas a produzi-las ou com poucos estímulos pudessem vir a fazê-lo.
Marco para superar esse entrave, foi o episódio da licença
compulsória do efavirenz que destrói a resistência das empresas
estrangeiras. O Ministério da Saúde pode assim iniciar o programa de
desenvolvimento produtivo com o setor privado nacional e os laboratórios
públicos em arranjo inovador. Esse mesmo modelo servia obviamente para o desenvolvimento de
produtos biotecnológicos, cada vez mais utilizados no tratamento de algumas
neoplasias malignas.
A importante decisão inicial de arranjos produto a produto, opção lógica do Ministério da Saúde, para entrar numa etapa de arranjos por processos produtivos (extrativos, fermentativos, engenharia genética, síntese, etc.), precisaria de uma estratégia compartilhada entre MDIC, MCT e MS e seus órgãos – ou seja de governo.
E mais, a velocidade, portanto, do processo de soberania nesse
campo, dependerá de sua condução política. A condução restrita ao Ministério da
Saúde, ainda que com a aquiescência global dos diferentes ministérios, reduz
possibilidades de saltos em termos de integração latino-americana e fortalecimento
regional. Houve início de entendimentos para a criação de uma binacional
Brasil-Argentina que poderia ser desenvolvida justamente com o foco
biotecnológico.
FACTO:
3. Considerando a alta densidade científica envolvida no desenvolvimento de produtos
biotecnológicos voltados à saúde humana, qual o papel destinado aos
laboratórios de instituições científicas e tecnológicas (ICT’s) num país como o
Brasil?
EDUARDO: – Estou convencido hoje de que no sistema político
brasileiro as instituições públicas de alta densidade tecnológica se tornaram
elaboradoras e guardiãs do projeto de desenvolvimento brasileiro com soberania,
transcendendo os governos, isto é, detém a possibilidade de um projeto nacional
estratégico, que inexiste na administração direta e nos governos, dadas as
conjunturas econômicas a que tem que responder o governo e aos legítimos, mas
dispersantes, projetos eleitorais. É preciso que elas tenham consciência disso
e suas comunidades avancem do campo corporativo para a construção do Brasil do
futuro.
* A revista FACTO faz a divulgação corporativa da ABIFINA (Associação Brasileira da Indústria da Química Fina). Para sua próxima edição (no. 38) solicitou que fossem respondidas as perguntas, que são transcritas.Com a aquiescência da mesma, publicamos com as respostas de Eduardo Costa.
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