QUEM QUERIA QUE O MAJOR VAZ E NÃO LACERDA MORRESSE?
Observações e Contradições.
Acabei de ver o filme de João Jardim sobre os últimos dias
do Presidente Getúlio Vargas. Independente das qualidades cinematográficas e dos atores e
atrizes (Drica Moraes arrasa como Alzira) e mesmo do cenário do palácio do catete, o drama
de Getúlio está pouco marcado por se valer apenas de imagens de seus sonhos e poucas
expressões de desgosto, como era seu estilo, em relação a opositores e
colaboradores que de forma variada o decepcionavam.
Naquele mesmo palácio vi a peça de Aderbal Freire Filho, com
Paulo José, e depois Othon Bastos, como Getúlio, Domingos de Oliveira e o
próprio Aderbal como Benjamin, com maior liberdade para criar um clima da
época.
A questão que me assaltou, no entanto, é outra: como o
público que não viveu aqueles dias, nem leu Helio Silva, Rubem Fonseca e José
Augusto Ribeiro, entre outros, decodifica historicamente aquela obra que
pretende uma certa neutralidade narrativa, ainda que de dentro do palácio?
Sabem os mais jovens quem era o Brigadeiro Eduardo Gomes,
por exemplo? As rápidas passadas por temas bastante profundos só se impregnam
da história para quem a conhece.
Getúlio bota a mão no petróleo brasileiro. |
Quem, que não leu, pode associar a campanha pelo Petróleo é
Nosso e a criação da Petrobrás em 1953, quando nosso exército já estava
atrelado pela guerra ao exército americano e aos desígnios do Pentágono,
àqueles personagens entreguistas, como eram identificados?
Notas de Getúlio em que registra a sua decisão na última reunião ministerial. |
Mas, sem dúvida, a altivez e o sacrifício de Vargas, durante todo o filme comprovam: não é qualquer um que se torna um estadista, capaz de construir as bases de uma nação.
O filme vem em boa hora para suscitar o debate esclarecedor. Com tutores é uma obra que ajudará a falar da história do Brasil nas escolas.
O filme vem em boa hora para suscitar o debate esclarecedor. Com tutores é uma obra que ajudará a falar da história do Brasil nas escolas.
O “Atentado da Toneleros” e a “República
do Galeão”
Independente do filme, mas suscitado por ele, há perguntas e
dúvidas que não têm sido exploradas, em particular sobre o atentado da
Toneleros.
A primeira e mais óbvia é: o que fazia o major da
aeronáutica Rubem Vaz que estava com Lacerda, um simples jornalista virulento
anti-governo, como se fosse sua guarda pessoal? E logo, como um militar
assassinado fora de serviço suscita um inquérito que invade um palácio
presidencial?
Ora, oficiais da aeronáutica se revezavam acompanhando Lacerda, como se fossem ajudantes de ordem - o golpe estava em marcha.
Ora, oficiais da aeronáutica se revezavam acompanhando Lacerda, como se fossem ajudantes de ordem - o golpe estava em marcha.
Com os amigos Alexandre Silla e Trajano Ribeiro, ouvimos e
debatemos com o delegado Jorge Pastor, responsável pela investigação do crime da
rua Toneleros, contradições incríveis, as quais muitos mais velhos ainda lembram, mas que não são sequer sugeridas no filme.
Lacerda com a perna engessada na noite do atentado. (gravata preta, calça sem sangue) |
Lutero Vargas que era médico ortopedista, e certamente tinha amigos no Miguel Couto, perguntava: mas como um tiro no pé de uma pistola 45 não faria um estrago que não precisasse uma cirurgia?
E nós médicos, sabemos muito bem: NÃO SE ENGESSA EM CIMA DE FERIMENTO PELO RISCO DE INFECÇÃO (GANGRENA!)– nenhum plantonista o faria!
Quando o delegado Pastor quis avançar nas investigações, pedindo a arma de Lacerda para exame, esse ficou indignado e pediu para tirarem a polícia do caso: tudo foi passado para a aeronáutica.
Mas há mais: a necrópsia do Major Rubem Vaz revelou que ele
levou dois tiros certeiros no coração que se cruzaram no tórax, ou seja sua
morte não foi acidental tentando matar Lacerda, duas pessoas atiraram nele de
perto para tamanha precisão. É improvável a hipótese do primeiro tiro ter feito ele rodar 180 braus e assim o segundo cruzar no mesmo ponto. A perícia teria de mostrar que ua bala entrou pelo peito e a outra pelas costas. E ele estava desarmado, segundo a investigação teria deixado a pistola 45 no porta-luvas do carro - nunca periciada. Mas a “República do Galeão” tomou conta de tudo
para dar a versão que os golpistas queriam.
Gregório que chegou a alegar ter assinado confissões dopado,
passou para a história como um pobre coitado, um cão fiel que mata para proteger o
patrão, mas assim o condena. E isso foi pouco, e conveniente, depois do
suicídio. Os quebra-quebras advertiam os militares, que tentariam impedir a
posse de Juscelino e Jango, mais tarde!
Mas porque queriam matar o Major Vaz e não Lacerda em agosto
de 1954? Haveria entre os golpistas quem não vacilaria em matar um inocente para simular uma atentado capaz de derrubar um governo? Quem tinha tamanho mau caráter?
Eduardo de Azeredo Costa
8 de maio de 2014.