terça-feira, 21 de janeiro de 2014

SAÚDE NÃO TEM PREÇO

Programa da Farmácia Popular do Brasil.

Há poucos dias o Governo Federal comemorou a continuidade da distribuicão gratuita de uma lista de medicamentos de uso contínuo para hipertensão arterial, diabete e asma brônquica. Tais medicamentos são distibuídos por farmácias comerciais, alem daquelas cerca de 200, creio, criadas com a montagem pelo Governo de farmácias exclusivamente para vender certos medicamentos ditos essenciais de modo subsidiado, que integram a Farmácia Popular I, conveniadas com municípios. Ambos sistemas de assistência farmacêutica estão dentro de um programa chamado de “Saúde Não Tem Preço”, mas pagamos todos nós, por impostos, e quem recebe em última instância são os fabricantes de medicamentos!

No portal do Ministério da Saúde é possível ter acesso aos dados do programa que depois de custar 1,3 bilhões no ano de 2013, terá um orçamento para 2014 de 2,6 bilhões. É claro que não estão incluídos os gastos de fornecimento de medicamentos de alto custo pelo MS, nem os recursos repassados a municípios para assistência farmacêutica nos postos de saúde e hospitais, nem aqueles que se incluem nas contas apresentadas pelos hospitais conveniados, privados ou filantrópicos.

Essa medida, iniciada no governo Lula, de criar farmácias populares e, depois, de usar a rede privada já existente e negociar a distribuição, o que foi feito integralmente na Inglaterra na época da criação do Serviço Nacional de Saúde, facilitou em muito o acesso a medicamentos e ajuda também os planos de saúde privados.

O programa tem, no entanto, no que melhorar e, sem esgotar o assunto, temos de lembrar que a distribuição de farmácias, como de médicos, seguem as lógicas do mercado. No entanto, aquelas farmácias públicas iniciais deveriam se localizar preferentemente nessas áreas carentes, pois lá os medicamentos circulam sem a correta orientação médica e farmacêutica, inclusive relacionada à conservação de medicamentos. Como conheço bem essa realidade, tenho sempre proposto que o planejamento central do MS seja direcionado à equidade, corrigindo as distorções próprias do mercado. Mas, a lógica da demanda – mercado – é mais forte.

Nas minhas andanças, no ano de 2012, detectei uma situação esdrúxula. Ao visitar as obras de usinas elétricas em Rondônia, pedi para ver os serviços médicos, odontológicos e farmacêuticos. Muito bem, a farmácia terceirizada pela empresa construtora não estava dentro da abrangência das farmácias populares. Medicamentos para diabete, por exemplo, custavam mais do que em farmácias privadas de Ipanema, pagos diretamente pelos trabalhadores.

O que nos diz isso? Entre muitos outros, vivemos um verdadeiro apartheid na área da medicina do trabalho. As diretivas de saúde negociadas entre patrões e empregados sob  égide do MTE, não são as mesmas do MS. Mas isso é assunto para outro artigo.

Como essas notas são sobre a farmácia popular, não posso deixar de comentar também os percalços para tratar minha hipertensão e diabete com medicamentos do programa. Primeiro, muitas farmácias gostam de ter o Banner do programa, pois atraem clientes para seus cosméticos e produtos de higiene pessoal, mas não gostam tanto de dispensar os medicamentos. A alegação de “queda no sistema” é a mais comum. A empurroterapia também funciona. Entregam genéricos sistematicamente do mesmo fabricante. Creio que a Medley é a que mais investe nesse “marketing”.

Mas há outros problemas típicos da burocracia “controlista brasileira”: se o mês tem 31 dias, você tem de passar um dia sem medicamento, o que se agrava se por qualquer razão o paciente perder, deixar rolar, ou emprestar para alguem que na hora do almoço esqueceu o comprimido. Mas se você tentar comprar com uns dias antes da data de encerrar (para não esquecer ou porque vai viajar) não poderá adquirir. Mas o mais ridículo mesmo é que se estiver acamado, ou por qualquer razão quiser que alguém adquira por você, terá de antes passar no cartório e dar uma procuração autenticada!

Como alguns que têm mais conhecimentos – a classe B, em geral - resolve isso? Pedindo receitas em vários nomes para médicos amigos!  Quase tudo no Brasil dos CGUs, TCUs, MPs e prende, arrebenta e pune é assim.

Para corrigir isso investirão milhões em informática de última geração. Enquanto isso, um serviço público de saúde onde tudo seria absolutamente, naturalmente e simplesmente resolvido, não é sequer discutido. Acham que é romântico ou dinossáurico. Sei lá!

Eduardo de Azeredo Costa

Em 21/01/2014.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O ROLEZINHO É A EXPRESSÃO POPULAR DAS JUVENTUDES

Jefferson Lima*

Começa o ano de 2014 e com ele algumas questões com a periferia brasileira, com a juventude negra e a sua expressão popular, dentro de um novo contexto. Os rolezinhos organizado pelos jovens da periferia estão adentrando as zonas de conforto, e os espaços de “exclusividade” de uma elite brasileira que não assimilou e não aceita as transformações que vem ocorrendo no nosso país.


O agora “famoso” rolezinho, fortemente convocado no final de 2013 e agora no início de 2014, são vistos com muita desconfiança e preconceito pelas famílias de classe média-alta que frequentam espaços como os shoppings centers. O rolezinho de 15 de dezembro no shopping de Guarulhos acabou com 23 presos, que foram liberados pouco depois. Contra eles nenhum tipo de acusação. Houve várias outras convocatórias como a do Shopping Metrô Tucuruvi, na zona norte, onde a participação de cerca de 500 jovens foi recriminada fortemente pela PM de São Paulo.


O fenômeno dos rolezinhos (centenas, às vezes milhares de jovens, combinavam para “zoar, dar uns beijos, rolar umas paqueras”, pegar geral, se divertir, sem agressão, sem roubos, sem violência.) são concentrações espontâneas de pessoas convocadas pelas redes sociais para ações em um mesmo espaço. Apenas a ocupação de um espaço até pouco tempo bem distante da realidade desses jovens, como por exemplo os shoppings nas grandes cidades.


A maioria desses jovens são influenciados pelo funk da ostentação, surgido na Baixada Santista e agora bem forte em todo o estado de São Paulo e também no Rio de Janeiro. Esse perfil musical evoca o consumo, o luxo, o dinheiro e o prazer que tudo isso dá: correntes e anéis de ouro, vestidos com roupas de grife, carros caros e utilização de espaços há pouco tempo longe da realidade.


Neste final de semana seis shoppings do Estado de São Paulo conseguiram o apoio da Justiça para bloquear a entrada dos jovens e acabar com o direito de ir e vim de qualquer cidadão. E ainda pior, autorizando policiais e seguranças privados para fazer abordagem aos jovens com perfil bem definido: menores desacompanhados, de baixa renda, negros(as), roupas largadas. Qual foi a solução para acabar com os rolezinhos? Cassetetes, a proibição de entrar no shopping e uma liminar onde o garoto ou garota indiciado terá que pagar multa de 10 mil reais.


Qual o crime essa juventude está cometendo? A saída será mesmo as bombas de gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral, balas de borracha e a mesma truculência e violação dos direitos civis usadas durante as manifestações do ano passado? Ou o mesmo apartheid social e irracional que ainda impera em vários países e que ainda existe no Brasil?


O verdadeiro crime é a ausência de políticas sociais que incluam essa geração de jovens, que gere um leque de oportunidades, emancipação e autonomia e que são diariamente excluídas do convívio social.
De fato o que está em jogo são os direitos civis de uma parcela significativa da juventude brasileira, que através dos rolezinhos, acabam denunciando de uma forma criativa, o estado de exceção, a atitude vergonhosa de um estado e a expressão racista e violenta do conjunto de autoridades policiais, a ausência de políticas públicas, de espaços de lazer (pistas/quadras/ anfiteatro), de expressão cultural e a privatização das cidades e da mobilidade urbana no Brasil. Esses jovens negros da periferia, até então invisíveis, para a parcela da Casa Grande que ainda existe no Brasil, tem o desejo de construir novos horizontes, ter opções de fomentar novas narrativas de qual país eles querem viver.


O direito a livre manifestação está previsto na Constituição Federal. O que vemos hoje é a usurpação dos direitos civis e das expressões populares no nosso país.


Os rolezinhos de hoje, já aconteceram em vários outros momentos da história e vai continuar acontecendo no futuro breve em contexto social diferente. Entender e valorizar as mudanças sociais no nosso país e fortalecer a diversidade da organização e das expressão das juventudes é de fundamental importância para construir um país cada vez mais justo, igualitário, livre do racismo e do preconceito e com respeito a pluralidade do nosso povo.


Que aconteçam vários rolezinhos por mais Juventude Viva, por mais espaços públicos e área de lazer, os rolezinhos contra o racismo, rolezinhos pela desmilitarização da PM, rolezinhos por um Plebiscito Popular pela Reforma Política.

É povo! É Rolê! É Juventude Viva!

*Secretário Nacional de Juventude do PT

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

BRASIL RASGADO


(Homenagem a João Goulart e Wilson Fadul)

Nesses dias a mídia relançou a participação de Kennedy na decisão de invadir o Brasil, caso os golpistas brasileiros não conseguissem derrubar o governo sem a presença direta dos marines americanos no solo brasileiro. Tudo ouvido diretamente da boca de Kennedy e, como ouvimos antes, diretamente e cruamente também da de Lindon Johnson.

Jango é recepcionado em NY, 1962.
Não há novidade, a novidade é o relançamento do série de livros do Elio Gaspari, em particular do primeiro e segundo volumes (A DITADURA ENVERGONHADA e A DITADURA ESCANCARADA) atualizados também com revelações à Comissão da Verdade. Excelente obra, o que redime o jornalista de algumas más páginas nos tempos atuais.

O que dá engulhos, no entanto, é a sempre participação do agente falcão americano, designado na época de “embaixador” Lincoln Gordon – sempre ele - tramando sem parar para derrubar o governo João Goulart.  Sobre ele, quando em entrevista recente disse que o golpe de 1964 foi um êxito completo, proclamando-o como a maior vitória do “ocidente” na Guerra Fria, maior até que a queda do muro de Berlim, escrevi: o Embaixador do Vietnã do Sul, em Saigon, nunca pode dizer o mesmo: teve de fugir quando os Estados Unidos foram derrotados militarmente por Ho Chi Ming, o General Giap e  povo vietnamita, em 1975.

Na Casa Branca, de pé: L.Gordon, R. Campos, S.T.Dantas e R. Goodwin.
Tive oportunidade no meu livro “50 anos desta noite” de relatar o que colhi pessoalmente do Wilson Fadul e de várias outras fontes escritas, inclusive os livros do Gaspari, e de material americano gravado e que está disponível no You Tube, sobre os episódios de 1964.

Revelar essa intenção de invasão do Brasil hoje é pouco.  É preciso dizer com todas as letras, que até mapa existia da divisão do Brasil se houvesse resistência militar. O mapa considerava que a resistência seria no sul, com Brizola liderando, o que seria o Brasil do Sul. O Brasil do Norte iria até Pernambuco. O mapa que vi recentemente, separava a Amazônia e parte do Nordeste, que seriam anexados aos Estados Unidos – ocupados e governados por eles.

Naqueles dias de março, Santiago Dantas, que estava afastado do Governo, muito amigo do Fadul, contou a ele o que sabia, e Fadul disse que falasse direto com o Presidente sobre o assunto e marcou a audiência.  No dia 1o. de abril, na reunião com o General Âncora, interino no 1o. Exército, Jango viu o mapa, segundo Fadul. E desfez qualquer ordem de dissolver o levante de umas poucas unidades facilmente sufocáveis. Não autorizou também que a FAB bombardeasse as tropas do General Mourão. Só deram um rasante que foi um espalha baratas.

Voltou a Brasília, naquele dia. E de lá mais tarde rumou para Porto Alegre, onde chegou de madrugada do dia 2. Enquanto viajava, o Congresso dava o golpe, declarando vago o cargo. Na posse, na madrugada, de Rainieri Mazzili, o secretário da embaixada americana era um solitário representante, que a todo instante falava com Gordon, que transmitia a Johnson. De manhã Johnson já havia reconhecido oficialmente o novo governo brasileiro. Em Porto Alegre, Jango avaliou o quadro e resolveu não resistir, não queria derramamento de sangue, o Brasil fraturado. Saiu do Brasil no dia 4 de abril. Evitou, segundo muitos, termos um Brasil do Sul e um do Norte. Manteve a Amazônia brasileira. Mas o preço pago foi muito alto. Não se esperava a barbárie que viria à frente. A concertação com golpes em outros países latino-americanos.


Fadul na sua posse como
Ministro da Saúde em 1963.
Na raiz do ódio contra Jango estavam os interesses da Bond&Share e da ITT, nacionalizadas por Brizola, o 13o. salário e a memória de sua disposição de melhorar salários, além é claro das reformas de base propostas. A campanha em 1963, liderada por Fadul contra as multinacionais dos medicamentos, foi um duro golpe nas fraudes contábeis que permitiam a exploração do país.

Por estranho, também, o movimento sanitário brasileiro homenageou Fadul em vida pela 3a. Conferência Nacional de Saúde, onde a municipalização da atenção básica foi proposta, mas silenciou sobre a maior contribuição de Fadul para a defesa da soberania nacional: a denúncia das práticas das multinacionais dos medicamentos - o enfrentamento mais popular do período João Goulart.

Eduardo Costa em 07/01/2014.