quinta-feira, 24 de julho de 2014

ARIANO SUASSUNA IMORTAL

MOVIMENTO ARMORIAL IMORTAL


Era a Guerra. Nas ruas de Natal e do Recife começavam a ser vistos os "mariners" americanos.

Naquele ano de 1942, Ariano com 15 anos chega no Recife depois de viver 12 anos em Taperoá, no interior da Paraíba.  Sim, conversamos sobre a sua fonte de referência, aqueles tempos de sertão, tudo que se lembra depois da morte de seu pai. Foram anos crescendo com a convivência sertaneja, quando se muda da Paraíba, onde seu pai fora Governador de 1924 a 1928. Nascido, pois, filho de Governador, em 1927.

Estava agora se mudando para a cidade onde o Governador João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, que sucedera a João Suassuna, fora assassinado em 1930. Por coincidência, seu pai também se chamava João Pessoa – João Pessoa Suassuna, que foi morto no Rio de Janeiro, naquele ano também, provavelmente por suspeitarem que estava envolvido na morte do adversário político, quando Ariano tinha três anos idade; por isso a família foi para o interior. Estudaria direito no Recife, quando começaria a se envolver com o teatro.

Aquela noite de sábado de Carnaval no Recife, para além da densa memória do personagem e sua casa avarandada em Casa Forte, tornava-se inesquecível.

Ariano jovem.
Era fevereiro de 1967.

Ciro* e eu, vimos o colega Nilton Arnt desembarcar no caminho, em Salvador. Continuamos até Recife. Fizemos amizade com o comissário de bordo – o Gilberto – e decidimos nos hospedar, como ele, no Hotel Boa Viagem durante o carnaval. 

Era noite de sexta-feira.  Na quarta de cinzas teríamos de começar nosso estágio – iríamos para Palmares. Éramos médicos recém-formados, migrantes às avessas, que se dirigiam à Amazônia.

No sábado, pelo catálogo, achei o Oscar Coutinho Neto, a quem eu conhecera em Porto Alegre depois de um congresso de estudantes de medicina e liguei para ele.  Oscar ficou feliz com os visitantes e marcou para nos apanhar para o “corso” à tarde.  Era o carnaval de rua em que a brincadeira era melar uns aos outros com lama. À noite planejávamos ir a um baile azarar as gurias. Mas o Oscar insistia em nos levar numa festa na casa de Ariano, seu parente. Um pouco contrariados fomos, mas não sabíamos ainda que Ariano era esse.

Quando chegamos na casa buzinando, o personagem nos recebeu vestido de cáqui e sandálias de couro dando tiros de espingarda para os céus. Era o Suassuna! - o cara do Auto da Compadecida, que afinal louvávamos como estudantes de um tempo de CPC da UNE, da cultura popular brasileira.

Ao saber que éramos jovens médicos sulistas que iam estagiar em Pernambuco, mas tinham o destino da Amazônia, se empolgou, chamou a mulher para explicar cada quitute servido na mesa. Falamos de Brizola e Arraes, exilados pela ditadura militar. E nos contou histórias de gaúchos e pernambucanos por um bom tempo.  Numa delas, o gaúcho com um facão arrotava para o pernambucano, que de um golpe fazia um talho tão fundo que acabaria com o cabra. - É sô, nóis aqui só usamo essa faquinha, mas fazemo tanto furinho que não sobra vontade do valente levantá o facão.

E falamos de futebol, do Inter de Porto Alegre e do Sport do Recife. Recomendou o baile do Sport no Clube Internacional. Foi o que fizemos no dia seguinte.

Já passava da meia-noite, a festa familiar começava a arrefecer, quando na varanda, sentados no chão, ele nos contou sobre seu último trabalho – o livro que escrevia, e demonstrava claramente achar que seria um marco na literatura nordestina.

Ariano nos contaria de sua vida e de suas pesquisas sobre a cultura popular que o levaram a criar o movimento armorial nordestino, numa fusão ibérico-sertaneja. O livro em que desenvolvia o tema e que estava a escrever se chamaria o Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, que se tornou um clássico.

Em 1971, pude tê-lo às mãos, quando já morava no Rio. Mas eu já sabia a estória… explicava orgulhoso a amigos, contando sobre o narrador-personagem Quaderna.

Era o Ariano de 39 anos de idade, de cáqui e sandália, com a espingarda na mão!  Esse, só morre quando eu morrer.

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* Nota - Ciro de Quadros, faleceu recentemente em Washington, aos 74 anos de idade, com direito a necrológico no Washington Post e New York Times. Personagem importante da saúde pública mundial.


Eduardo de Azeredo Costa

Rio, 23 de julho de 2014.