Beth Carvalho e José Augusto Ribeiro na Livraria da Travessa em 24 de agosto de 2014. |
Foi uma oportunidade ímpar usufruir do fantástico
conhecimento de Zé Augusto sobre a política brasileira e mundial no século
passado. Misturo aqui umas reflexões pessoais com as que ouvimos.
O SUICÍDIO
Não é possível para um médico passar pela morte por suicídio sem falar sobre ciclos depressivos que abatem pessoas e a humanidade. Mas, apesar das notas jornalísticas e pareceres de pseudo-historiadores que querem associar isso, no caso de Getúlio, não tem nada a ver.
O suicídio pela tristeza e isolamento com a crise política que atravessava, ou sua índole manifesta em outras ocasiões, como a de que se fracassasse a revolução de 30 ele não se deixaria prender - preferiria a morte, não voltaria derrotado, não estão no campo médico.
O suicídio pela tristeza e isolamento com a crise política que atravessava, ou sua índole manifesta em outras ocasiões, como a de que se fracassasse a revolução de 30 ele não se deixaria prender - preferiria a morte, não voltaria derrotado, não estão no campo médico.
Ora, isso não é depressão, é
cultura. Pertence ao campo antropológico e sociológico.
Getúlio evidentemente deveria estar mais reflexivo e, porque
não?, abatido, frente à campanha desenvolvida por Lacerda, possivelmente estimulada
pela CIA, depois da criação da Petrobras (já havia acontecido a intervenção da
CIA/EEUU na Guatemala e no Irã). E a longa vida o fazia reconhecer que não se
movia mais tanto por “instintos“; - é a contribuição da idade. Isso é
absolutamente normal, só alguém com grave perturbação mental não sentiria o
peso da campanha contra ele. Ele tinha a opção política da renúncia ou da
resistência até armada. Resolveu pela última preservando a honra e uma fratura
que pudesse desaguar na privatização dos recursos naturais brasileiros. O texto
da carta-testamento é suficientemente claro sobre isso.
Nada pior do que morrer em vida e, como diria jocosamente um
tio meu, gaúcho também, preferia a morte a morrer sem honra, humilhado. Ora, esse é o tipo de suicídio imposto
socialmente, é o que obrigava o comandante do navio que afunda a não deixar o barco e os comandantes militares derrotados a se suicidar ou fazer harakiri.
Nada a ver com depressão. Suicidar-se ou correr (contribuir) para a própria
morte para salvar a honra não cabe nessas categorias estritamente psicológicas.
No campo político não são tão raros os casos com um sentido de legado. O de
Getúlio e o de Allende, certamente são emblemáticos na história
latino-americana.
Sempre lembro do dia que um amigo, Carlos Araújo, me
perguntou se eu poderia conseguir cianureto de boa qualidade. O pessoal do fronte
na luta contra a ditadura tinha feito umas cápsulas para que pudessem se
suicidar, se presos; um deles mordeu, mas não morreu – teve uma diarréia! Ora,
não era em princípio para evitar o terror da tortura a que eram submetidos: era
que não queriam falar e acabar contribuindo para que outros companheiros fossem
presos. Aliás, ele mesmo, mais tarde, para não falar, tentaria o suicídio se atirando embaixo de
um veículo em plena Avenida São João. Numa perspectiva, eram
suicídios heróicos ou como bem classificou Durkheim,
suicídios altruístas (O Suicídio, 1897).
DISCURSO DE OSWALDO ARANHA
Foi assim que Oswaldo Aranha, o companheiro de jornada de
Getúlio, desde 1930, entendeu seu suicídio. Considero que um trecho de seu
discurso no sepultamento é o mais acabado sentido que hoje, 60 anos depois,
concebemos para o ato de Getúlio, naquela manhã de agosto (in Helio Silva, 1954
– LPM, 2004).
“... tenho consciência e devo dizer a todos e a todo o País,
que tu morreste para que nós, os que te assistiam, os teus amigos, não
morressem contigo. Devo declarar que, se assim vivemos, é porque tu te
antecipaste na morte, para nos deixar na vida. O teu suicídio é o grande
suicídio, o suicídio altruísta, aquele que faz a mãe, e do pai para o filho, e
foste pai e filho como ninguém, e por isto soubeste fazer pelos teus. Ninguém
mais do que eu o pode testemunhar. Todos os meus apelos eram no sentido de que
a tua vida era da maior necessidade para o Brasil.
(...)
... Quando quiserem escrever a História do Brasil, queiram
ou não, tem-se de molhar a pena no
sangue do Rio Grande do Sul, e ainda hoje, quem quiser escrever e descrever o
futuro do Brasil, terá de molhar a pena no sangue do teu coração.
(...)
Quando há vinte e tantos anos, assumiste o governo deste País,
o Brasil era uma terra parada, onde tudo era natural e simples; não conhecia
nem o progresso, nem as leis da solidariedade entre as classes, não se conhecia
as grandes iniciativas, não se conhecia o Brasil. Nós o amávamos de uma forma
estranha e genérica, sem consciência de nossa realidade. Tu entreabriste para o
Brasil a consciência das coisas, a realidade dos problemas, a perspectiva de
nossos destinos. Ao primeiro relance, viste que a grande maioria dos
brasileiros estava à margem, e a outra parte a serviço das explorações
estrangeiras.”
GETÚLIO VIVE
Getúlio vive e viverá mais que tudo pelo regime de garantia dos direitos do trabalho no Brasil e por suas decisões estratégicas para o desenvolvimento do Brasil, tendo tomado partido de um nacionalismo – decorrente da história colonial brasileira – anti-imperialista, pois, com opção estatal, no conflito com os interesses privados. Getúlio sabia que privatização da economia significava desnacionalização e fraudes.
Ao criar a Petrobras estatal, teve de criar um novo marco na
administração pública que chamamos de “empresa estatal”. Até hoje a luta dos privativistas é
acabar com esse tipo de estrutura legal. Se é fantasioso para usar para o setor
social, sendo apenas expediente para terceirizar, privatizando os recursos
públicos, é indispensável para o setor produtivo estatal. Inconcebível se mover
e se tornar eficiente com a parafernália legal feita para que o setor público
típico não funcione com eficiência.
O LIVRO – A ERA VARGAS
Não cabe aqui um artigo longo sobre o legado de Getúlio, mas
para encerrar cabe dizer a partir do exemplo anterior: não há o que se possa
analisar que ocorra hoje que não tenha sido antes desafio e soluções colocados
na Era Vargas. Mas nesses 60 anos querem fazer diferente, renegando sua
contribuição e, por isso, tropeçando nela.
Nosso desafio é fazer os jovens conhecerem o legado da Era
Vargas, para calar mentiras e manipulações dos que tentaram e tentam impedir o
desenvolvimento autônomo do Brasil, com justiça social.
Encare o livro de José Augusto Ribeiro (não esse livro
encomendado ao Lira que, para fazer um livro “neutro” esconde as outras
versões de episódios importantes de nossa história.) Nele você vai entender
melhor desde o império a história brasileira. Vai entender a revolução de 30 e
a contra-revolução de São Paulo, nas suas origens: o ideário do Partido
Republicano sobre o movimento operário.
Presidentes Getúlio e Roosevelt alinhados em 1936. |
No livro do Zé Augusto, você vai conhecer verdades mascaradas tanto pelos integralistas
como pelos comunistas, sobre o caráter “fascista” de Getúlio, ou seu
“em–cima-do-murismo”. A um tempo em que Chamberlain fazia um acordo com a
Alemanha e a União Soviética dividia a Polônia com Hitler, paradoxalmente, em
1938, o Brasil expulsava o embaixador alemão. A verdade sobre o caso Olga
Benário aparece límpida – a decisão do Supremo – era 1936 e a ditadura do
Estado Novo é de 1937. As olimpíadas da Alemanha foram nesse ano e disputadas
pelos atletas de todo o mundo. O Partido Nazista era enfraquecido pelo próprio
Hitler.
Você se surpreenderá e deixará de ser como eu, antes de
lê-lo, um mero aparelho repetidor de sandices inventadas para tapar os erros
políticos de correntes políticas de então.
Eduardo Costa, 25 de agosto de 2014.
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